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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Há uma intuição importante no livro do Gênesis sobre o lugar da

vergonha na nossa compreensão do sexo. Adão e Eva compartilharam da

fruta proibida para obter o “conhecimento do bem e do mal” — em outras

palavras, a habilidade de inventar por si mesmos o código que governa o

comportamento deles. Deus caminha pelo jardim e eles se escondem,

conscientes pela primeira vez dos seus corpos como objetos de vergonha.

Essa “vergonha do corpo” é um sentimento extraordinário que apenas um

animal autoconsciente poderia ter. É o reconhecimento do corpo como

intimamente eu e ao mesmo tempo, de alguma forma, não eu — uma coisa

que vagou no mundo dos objetos como se por escolha própria, para depois

se tornar a vítima de olhares indesejados. Adão e Eva se tornaram

conscientes de que não estão apenas face a face, mas unidos de outra forma,

como corpos, e, na versão incomparável de Milton, o olhar de luxúria

objetificador agora envenena o seu antes inocente desejo. É graças às folhas

da figueira que Adão e Eva conseguem evitar o pior: asseguram, embora

provisoriamente, que ainda podem ficar cara a cara, mesmo que o erótico

tenha agora se tornado privado e ligado às partes íntimas. No seu conhecido

afresco da expulsão do Paraíso, Masaccio mostra a diferença entre as duas

vergonhas — a do corpo, que faz Eva esconder suas partes sexuais, e a da

alma, que faz Adão esconder o seu rosto. Ele oculta o seu self; Eva mostra o

self em toda a sua dor confusa, mas ainda assim protege o corpo — pois

agora ela sabe que pode ser maculada pelo olhar dos outros.

A árvore do conhecimento que causou a queda do homem está, com

certeza, descrita erroneamente como se nos desse o conhecimento do bem e

do mal. Pelo contrário, ela nos dá o conhecimento de nós mesmos como

objetos — caímos do reino da subjetividade para o mundo dos objetos.

Aprendemos a nos olhar como objetos e a nos esquecermos do rosto e de

tudo aquilo que ele significa. Perdemos aquilo que nos era mais precioso,

que é o véu imaculado do Lebenswelt, estendendo-se de horizonte a

horizonte através da matéria escura da qual todas as coisas, incluindo nós

mesmos, são compostas.

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