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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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para que a alma possa exalar dele, e também se renda, naquele perímetro do

ser que está ao seu lado.

O beijo erótico não tem a ver apenas com nossos lábios: os olhos e as

mãos também estão envolvidos. O beijo do desejo nos traz a proeminência

da mesma ambiguidade que há no rosto que também se apresenta no

momento da alimentação. Os lábios oferecidos de um amante para o outro

estão repletos de subjetividade: são os avatares do eu, reunindo a

consciência do outro em um presente mútuo. Mas, apesar de os lábios serem

oferecidos em espírito, eles respondem como carne. Pressionados pelos

lábios dos outros, tornam-se órgãos sensoriais ao trazer com eles toda a

armadilha fatal do prazer sexual, e se tornam prontos para se renderem a

uma força que se abre no eu e que vem de fora. Assim, o beijo é o momento

mais importante do desejo — o momento no qual os amantes estão

plenamente face a face e também totalmente expostos um ao outro. O

prazer do beijo não tem a ver com sensações, mas com a intencionalidade

do eu-você e também com o que isso significa. Os beijos têm uma

tematicidade própria. É claro que podem existir beijos equivocados e um

prazer equivocado ao beijar, como foi vivido por Lucrécia, na versão de

Benjamin Britten e Ronald Duncan para a sua história — ao beijar o

homem que pensava ser o seu esposo, ela descobriu que se tratava do

estuprador Tarquínio, apesar de ser tarde demais para se defender.

A presença do sujeito no rosto é ainda mais evidente nos olhos, que

desempenham seu papel tanto nos sorrisos como nos olhares. Os animais

podem olhar para as coisas; eles também olham um para o outro. Mas não

olham dentro das coisas. Talvez o mais intenso de todos os atos de

comunicação não verbal entre as pessoas seja o que acontece com os

amantes, quando olham nos olhos um do outro. Não estão olhando para a

retina ou buscando no olho suas peculiaridades anatômicas, como faria um

oftalmologista. Então, para o que eles estão olhando ou o que estão

buscando? A resposta é certamente óbvia: cada um busca e espera também

estar olhando para o outro, como uma subjetividade livre que luta para

encontrá-lo eu para o outro eu. Em sua discussão seminal em O Ser e o

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