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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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acontece em um espaço que foi santificado e ritualizado e onde os deuses

foram convidados. Todos os rituais impõem disciplina diante do rosto, e

isso é parte do que experimentamos enquanto nos alimentamos. Mesmo

quando há um propósito biológico, o meu rosto permanece sob minha

jurisdição. É o lugar onde eu sou em um mundo de objetos, e o lugar de

onde eu me dirijo a você.

Sorrir, olhar, beijar, enrubescer

Logo, o rosto possui um repertório interessante de ajustes, que não podem

ser meramente entendidos como mudanças físicas do mesmo tipo que

observamos nos traços de outras espécies. Por exemplo: há o sorriso. Os

animais não sorriem: na melhor das hipóteses, eles fazem uma careta, a

maneira de um chimpanzé ou um macaco. Em Paraíso perdido, Milton

escreve (ao narrar o amor entre Adão e Eva) sobre os “olhares e sorrisos,

que decorrem da razão, falha aos brutos, [e são] alimento do amor” [smiles

from reason flow,/ To brute denied, and are love of food]. 2 O sorriso que se

revela é involuntário, é a benção que uma alma confere sobre a outra,

quando brilha o ser todo em um momento de autorrevelação. O sorriso

ampliado, voluntário e deliberado não é mais um sorriso, e sim uma

máscara. O “rosto sorridente” que todas as crianças sabem desenhar não é o

retrato de um sorriso. Um rosto pode sorrir apenas quando a alma brilha a

partir dele, e o sorriso geométrico não é um sorriso, e sim apenas um

mostrar de dentes.

Enquanto um sorriso sincero é involuntário, um beijo sincero é algo

desejado. Isso é verdadeiro, pelo menos, quando falamos do beijo de

afeição. Contudo, no beijo da paixão erótica, o querer é, em parte, superado,

e é nesse contexto que o beijo puramente desejado tem um ar de

insinceridade. O beijo erótico sincero é tanto uma expressão da vontade

como uma rendição mútua. Logo, requer uma espécie de comando da boca,

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