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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Aqui, me parece, é um modo no qual a fé se aproxima da esperança.

Podemos afastar a morte como uma aniquilação, ou saudá-la como uma

transição. Podemos vê-la como a perda de algo precioso, ou como o ganho

de um outro modo de ser. De certa maneira, tudo depende de nós. Quando

vivemos em plena compreensão e em plena aceitação da nossa mortalidade,

vemos o mundo como um lugar onde podemos habitar. Ficamos abertos à

morte, e a aceitamos como se fosse a nossa completude. Simone Weil

escreve sobre isso ao usar os termos de um “mito de origem” cristão:

O Homem colocou a si mesmo fora da corrente da Obediência. Deus escolheu, para o castigo

dele, o trabalho e a morte. Consequentemente, esses dois, se o Homem colocá-los em um

espírito de aceitação, constituem uma transferência de volta à corrente do Bem Supremo, que

é a Obediência a Deus. s

A vida após a morte, concebida como uma condição que sucede a morte no

tempo, é algo absurdo. Pois a sucessão no tempo pertence ao conjunto de

causas, no contínuo do espaço-tempo que é o mundo da natureza. Se há

alguma mensagem a ser extraída dos meus raciocínios é que a ideia de

salvação — de uma relação correta com o criador — de forma alguma

precisa ter uma vida eterna, pelo menos assim concebida. Mas precisa

aceitar a morte, no sentido de que, diante dela, encontramos o nosso criador,

aquele vinculado a nós pela aliança, a quem devemos prestar contas das

nossas falhas. Retornamos ao lugar de onde surgimos, à espera de sermos

bem-recebidos ali. Esse é um pensamento místico, e não há como traduzi-lo

no idioma da ciência natural, que fala do antes e do depois, não sobre o

tempo e sobre a eternidade. A religião, tal como eu a considero, não

descreve o mundo natural, mas o Lebenswelt, o mundo dos sujeitos, com o

uso de alegorias e de mitos para nos lembrar, no nosso nível mais profundo,

de quem e do que somos nós. E Deus é o sujeito que tudo conhece e que nos

recepciona assim que atravessamos para o outro domínio, além do véu da

natureza.

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