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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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Morte e transcendência

Na sua manifestação original, a religião era uma cura para a morte. Ao

adorarmos os nossos ancestrais, que estão enterrados embaixo da lareira ou

nas tumbas próximas, nos recusamos a reconhecer a partida deles. Os

mortos ainda estão conosco e se tornam reais em razão da nossa adoração.

Assim, as tumbas possuem uma permanência que raramente é igualada

pelos lares dos vivos. A tumba indestrutível enfatiza que a morte foi

contrariada e que os mortos permanecem. Dirigimo-nos aos ancestrais,

rezamos por eles, e, em algumas religiões, os mortos são alimentados nas

mesas dos seus descendentes. E esse ensaio constante da presença deles é

também uma promessa de que nós, os vivos, seremos imortais quando

chegar a nossa vez. Essa promessa foi renovada quando a religião de

adoração ancestral foi adaptada como fé monoteísta e, no devido tempo,

costurou aquele “vasto brocado musical roído de traça,/Criado pra fingir

que não se morre”.

Devemos aceitar o juízo desdenhoso de Larkin? Afinal de contas, jamais

podemos ter prova da questão: nenhuma notícia chegou a nós, daquela

“terra ignota de cujos confins/nenhum viajante retornou”. 2 Por que

simplesmente não colocamos a fé em estado de sobrevivência e assumimos

que ela e as obras podem nos salvar, se é que há salvação? Os truques

mentais, como o da aposta de Pascal, parecem resgatar a questão da

sobrevivência que surge com o ceticismo e jogá-la no colo da fé. Contudo, o

problema se encontra no próprio conceito de sobrevivência. Desde o

tratamento dado por Tomás de Aquino a esse tema na Suma Teológica,

ficou evidente aos filósofos que a conexão do ser humano com seu corpo

não pode ser vista como um assunto meramente contingente — e que

identidade pessoal através do tempo deve ser sustentada em alguma coisa

além da memória e da aspiração. Existe uma enorme literatura a respeito

desse tópico, que culmina no notável e recente livro de Mark Johnson, que

argumenta que não podemos sobreviver à morte como indivíduos, mas que,

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