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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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segundo a qual Deus intervém para trazer o nada a um fim, é uma história

sobre o nada e, portanto, não é uma história.

Descrever uma narrativa como um “mito de origem” não é rejeitá-la,

mas afirmar que ela deve ser entendida de outro modo, como uma revelação

das realidades presentes. Isso é lindamente ilustrado por Wagner em O anel

dos Nibelungos, no qual a narrativa se desdobra simultaneamente tanto para

a frente como para trás. Cada passo de Wotan em direção à resolução dos

seus dilemas desvela alguma medida “anterior” que inexoravelmente o

levou a isso, algum encontro mais profundo e primordial com a ordem da

natureza. O mito tem a ver com uma origem que se encontra tão

profundamente enterrada que só pode ser compreendida retroativamente,

como os fragmentos enterrados são trazidos um a um à luz da consciência.

O sentido desses fragmentos é revelado no “agora”. Mas trata-se de um

eterno “agora”: esse é o fardo do Prelúdio místico no Götterdämmerung, no

qual as Nornas tecem a corda do destino, entendendo as próprias ações

apenas parcialmente, e apenas naquilo que produzem (As filhas do Reno,

elas próprias atributos do eterno começo, depois descrevem a corda como a

Urgesetzes Seil — a corda dos primórdios, de todas as leis anteriores). 3

Wagner mostra que a liberdade idealizada representada por Wotan — a

liberdade de comandar um mundo e de embelezá-lo com a lei, a segurança e

a propriedade — é uma quimera até ser realizada na carne mortal. Mas a

liberdade é também realizada como amor, e este exige renúncia. Quando

Wotan compreende isso, ele está pronto para aceitar sua própria

mortalidade. A jornada espiritual de Wotan começou com sua busca pela

glória imortal; e termina com a sua vontade consciente em direção à morte.

Ainda assim, o “começo” e o “fim” estão eternamente presentes. Cada um

contém o outro: eis a razão por que a narrativa se desenvolve dessa maneira,

em ambas as direções de uma só vez.

É claro que a narrativa bíblica é muito diferente. Wagner era um

dramaturgo e um antropólogo, que entendia mitos como mitos, e os

apresentava com todos os seus paradoxos expostos. A narrativa bíblica,

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