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A alma do mundo - Roger Scruton

conservadorismo filosofia política

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cérebro, uma que nos possibilitasse realizar o sonho de Churchland e

substituir a psicologia popular com a supostamente verdadeira teoria da

mente. O que aconteceria então com a percepção em primeira pessoa? Para

saber que estou em determinado estado, eu teria de me submeter a uma

tomografia? Com certeza, se a verdadeira teoria da mente é uma teoria do

que acontece nas vias neurais, eu teria de descobrir sobre os meus próprios

estados mentais assim como eu descubro os seus, atingindo a certeza apenas

quando os rastreasse até a sua essência neural. Minhas melhores

observações seriam algo do tipo “parece que algo assim ou assado está

acontecendo…”. Mas o exemplo da primeira pessoa desapareceu, e apenas

permanece o exemplo da terceira pessoa. Será que desapareceu mesmo? Se

olharmos mais de perto, vemos que, de fato, o “eu” continua nessa situação.

Pois a expressão “parece que algo…” no relato que acabei de imaginar, na

verdade significa “parece a mim que algo…”, o que quer dizer que “estou

tendo uma experiência desse tipo”, e a esta declaração se liga o privilégio

da primeira pessoa. Ela não relata algo que tenho de descobrir ou que

poderia estar errado. Então o que ela relata? De alguma maneira, o “eu”

ainda está lá, no limite das coisas, e a neurociência apenas mudou o que

seria esse limite. O estado consciente não é aquilo que é descrito nos termos

da atividade no sistema nervoso, mas aquilo que é está sendo expresso na

declaração “parece a mim que…”.

Além disso, não é possível eliminar esse “eu”, esse ponto de vista na

primeira pessoa, e ainda manter as coisas sobre as quais a vida e a

comunidade humanas foram construídas. Como disse nos capítulos

anteriores, a relação eu-você é fundamental à condição humana. Somos

responsáveis por cada um de nós, e essa responsabilidade depende da nossa

capacidade de dar e receber motivos, que, por sua vez, depende da nossa

percepção em primeira pessoa. Mas os conceitos que envolvem todo o

processo — os conceitos de responsabilidade, intenção, culpa e assim por

diante — não têm lugar na ciência do cérebro. Eles vêm junto com um

esquema conceitual rival, que está, como gosto de dizer, em uma tensão

inevitável com qualquer ciência biológica da condição humana.

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