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manterá ereto. O prazer é breve, a dor daí oriunda é contínua. Pois à tar<strong>de</strong> e à noite, na<br />

solidão, na cida<strong>de</strong>, em toda parte persegue-o o acusador, mostrando-lhe a espada aguda e<br />

os intoleráveis suplícios, g<strong>as</strong>tando-o e consumindo-o <strong>de</strong> medo. O temperante, isento <strong>de</strong><br />

tudo isso, está em liberda<strong>de</strong>, e olha com segurança a mulher, os filhos, os amigos, e<br />

contempla tudo com <strong>de</strong>sembaraço. Se, porém, aquele que sente um amor impuro, e, no<br />

entanto, se contém, tem enorme prazer, quem não ama, e é completamente temperante,<br />

não terá a alma mais suave e plácida do que a calmaria, ou o porto seguro? Talvez vej<strong>as</strong><br />

poucos homens adúlteros, e temperantes em maior número. Se o adultério fosse o mais<br />

suave, muitos o escolheriam. Nem alegues o medo d<strong>as</strong> leis; pois nem este os retém, e<br />

sim o excesso absurdo, o número maior <strong>de</strong> acontecimentos tristes do que <strong>de</strong> agradáveis,<br />

e também o juízo da consciência. Efetivamente, é tal o adúltero.<br />

Se vos apraz, falemos também do avaro, expondo ainda outro amor iníquo. De fato,<br />

vemo-lo com igual medo, sem po<strong>de</strong>r gozar <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro prazer. Re<strong>vol</strong>vendo na mente<br />

os que sofrem injustiça, os que se compa<strong>de</strong>cem <strong>de</strong>les, e a apreciação comum a respeito<br />

<strong>de</strong>le, é sacudido por inúmeros vagalhões. Não somente isso lhe é molesto, m<strong>as</strong> nem po<strong>de</strong><br />

gozar do que ama. Tal é a situação dos avarentos: não possuem para usufruir, m<strong>as</strong> para<br />

não usufruir. Parece um enigma? Escuta o que é pior e mais ambíguo: privam-se do<br />

prazer não somente porque não ousam gozar dos bens quanto querem, m<strong>as</strong> também<br />

porque nunca se saciam, e sempre pa<strong>de</strong>cem <strong>de</strong> se<strong>de</strong>. O que há <strong>de</strong> mais molesto? Ora, o<br />

justo não é tal, m<strong>as</strong> acha-se livre <strong>de</strong> tremor, <strong>de</strong> ódio, <strong>de</strong> medo, <strong>de</strong>sta se<strong>de</strong> insaciável. E<br />

como todos aborrecem o avaro, <strong>as</strong>sim também todos <strong>de</strong>sejam bem ao justo, e se o<br />

primeiro não tem amigos, este não possui inimigo algum. O que, portanto, é<br />

evi<strong>de</strong>ntemente mais <strong>de</strong>sagradável que a malda<strong>de</strong>, ou mais suave que a virtu<strong>de</strong>? Ou<br />

melhor, mesmo que mencionemos inúmeros bens, ninguém conseguirá exprimir a tristeza<br />

do vício ou o prazer da virtu<strong>de</strong>, enquanto não <strong>as</strong> experimentar. Verificaremos que o vício<br />

é mais amargo que o fel, ao provarmos o mel da virtu<strong>de</strong>. De outro lado, o vício é<br />

<strong>de</strong>sagradável, oneroso e molesto. Não o negam nem os que o servem. Ao nos<br />

apartarmos <strong>de</strong>le, então com maior intensida<strong>de</strong> sente remorso da cruelda<strong>de</strong> <strong>de</strong> su<strong>as</strong><br />

or<strong>de</strong>ns. Não é <strong>de</strong> espantar que muitos acorram a ele; por vezes também os meninos<br />

escolhem o que é menos doce, <strong>de</strong>sprezam o que mais <strong>de</strong>leita, e adoecendo por causa <strong>de</strong><br />

um agrado p<strong>as</strong>sageiro, per<strong>de</strong>m uma alegria contínua e mais segura. Provém o fato da<br />

fraqueza e estultice dos que amam, não da própria natureza. Vive, na realida<strong>de</strong>, com<br />

prazer o virtuoso, que verda<strong>de</strong>iramente é rico e livre. Se alguém atribuir à virtu<strong>de</strong><br />

liberda<strong>de</strong>, segurança, isenção <strong>de</strong> preocupações e <strong>de</strong> qualquer temor e suspeita, no<br />

entanto não lhe atribuir prazer, rir-me-ei profusamente. Pois, em que consiste o prazer<br />

senão em estar isento <strong>de</strong> preocupações, <strong>de</strong> temor, <strong>de</strong> tristeza, e <strong>de</strong> ficar preso a qualquer<br />

coisa? Qual dos dois, pergunto, sente prazer, o furioso, agitado, incitado por muit<strong>as</strong><br />

ambições, que não é senhor <strong>de</strong> si? Ou quem está liberto <strong>de</strong> tod<strong>as</strong> ess<strong>as</strong> vag<strong>as</strong>, <strong>de</strong> certo<br />

modo sentado no porto da filosofia? Não é evi<strong>de</strong>nte que é este último? É claro que o<br />

gozo é peculiar à virtu<strong>de</strong>. Por conseguinte o vício tem somente o nome <strong>de</strong> prazer, m<strong>as</strong><br />

encontra-se vazio <strong>de</strong> conteúdo. Antes <strong>de</strong> gozares é loucura, não prazer, e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o<br />

sentires, logo se extingue. Se, portanto, nem no início, nem no fim está o prazer, on<strong>de</strong> se<br />

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