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Deus se acham prósperos. De fato, os inimigos <strong>de</strong> Deus, logo que, orgulhando-se, se<br />

elevam, qual fumaça <strong>de</strong>svanecem. Ao vires um inimigo <strong>de</strong> Deus rico, cercado <strong>de</strong> satélites<br />

e aduladores, não perc<strong>as</strong> o ânimo, m<strong>as</strong> geme, chora, roga a Deus que o transfira para o<br />

número dos amigos; e quanto mais estiver bem, apesar <strong>de</strong> inimigo, lamenta-o.<br />

Com efeito, importa sempre lamentar os pecadores, principalmente quando têm<br />

abundantes riquez<strong>as</strong>, e tudo lhes corre bem, conforme acontece aos doentes que comem<br />

muito e se embriagam. M<strong>as</strong>, ao ouvirem ess<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>, alguns se aborrecem a ponto <strong>de</strong><br />

se queixarem amargamente e <strong>de</strong>clararem: Mereço lágrim<strong>as</strong> porque nada tenho. Disseste<br />

bem que nada tens. Não por não teres o que o próximo tem, m<strong>as</strong> porque, consi<strong>de</strong>rando-o<br />

feliz, mereces ser pranteado mil vezes. De fato, se alguém com boa saú<strong>de</strong> julga feliz o<br />

doente, até mesmo prostrado num leito macio, é muito mais miserável e infeliz do que<br />

ele, porque não compreen<strong>de</strong> os bens que possui. É válido também para o presente c<strong>as</strong>o,<br />

que oc<strong>as</strong>iona confusão e perturbação à vida inteira. Ess<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> per<strong>de</strong>ram inúmer<strong>as</strong><br />

pesso<strong>as</strong>, entregaram-n<strong>as</strong> ao diabo e fizeram-n<strong>as</strong> mais miseráveis do que os que morrem<br />

<strong>de</strong> fome. Com efeito, daí se evi<strong>de</strong>ncia que os ambiciosos são mais infelizes do que os<br />

próprios mendigos, visto que sentem mais intenso pesar.<br />

Houve em nossa cida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> seca, todos receavam o pior e rogavam a Deus que<br />

af<strong>as</strong>t<strong>as</strong>se esse terror; e foi possível ver então o que foi dito a Moisés quando o céu se<br />

tornou <strong>de</strong> bronze (cf. Dt 28,23) e cada dia se esperava a morte mais terrível. Finalmente,<br />

graç<strong>as</strong> ao Deus clemente, além <strong>de</strong> toda expectativa, caiu do céu incontida e generosa<br />

chuva. Todos celebravam e festejavam, como se tivessem escapado d<strong>as</strong> port<strong>as</strong> da morte.<br />

No meio, porém, <strong>de</strong> tantos bens e da alegria comum, um homem muito opulento andava<br />

triste e cabisbaixo, morto <strong>de</strong> tristeza. Muitos perguntaram a causa <strong>de</strong> estar só ele<br />

pesaroso no meio da alegria comum. Não pô<strong>de</strong> ocultar a grave perturbação que sentia,<br />

sob a tirania da doença, e manifestou a causa da tristeza: Tenho muitíssim<strong>as</strong> medid<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

trigo e não sei on<strong>de</strong> colocá-l<strong>as</strong>. Dize-me, por favor. Devemos consi<strong>de</strong>rá-lo feliz por ess<strong>as</strong><br />

palavr<strong>as</strong>, que o tornavam merecedor <strong>de</strong> apedrejamento, por ser mais cruel do que uma<br />

fera, e inimigo comum <strong>de</strong> todos? O que dizes, ó homem? Estás pesaroso porque todos<br />

não morreram para ajuntares dinheiro? Não ouvistes o dito <strong>de</strong> Salomão: “O povo maldiz<br />

aquele que retém o trigo” (Pr 11,26)? M<strong>as</strong> percorres <strong>as</strong> cercani<strong>as</strong> qual adversário comum<br />

<strong>de</strong> todos os bens da terra, inimigo da liberalida<strong>de</strong> do Senhor do universo, amigo do<br />

dinheiro, ou antes escravo <strong>de</strong>le? Não se <strong>de</strong>via amputar aquela língua? Ou fazer parar o<br />

coração que emitira tais palavr<strong>as</strong>?<br />

Viste como o ouro não <strong>de</strong>ixa os homens ser homens, e sim transforma-os em fer<strong>as</strong> e<br />

<strong>de</strong>mônios? O que será mais miserável do que esse rico, que <strong>de</strong>seja fome diária, para<br />

obter ouro? A paixão o leva a uma atitu<strong>de</strong> oposta. Não se alegra com a abundante<br />

aquisição dos produtos, m<strong>as</strong> l<strong>as</strong>tima-se por ter bens incontáveis. Ora, quem possui muito<br />

<strong>de</strong>via alegrar-se; ele, contudo, por isso mesmo, está angustiado. Viste, conforme afirmei,<br />

que os ricos não tanto percebem prazer com os bens presentes quanto suportam tristeza<br />

<strong>de</strong>vido ao que ainda não obtiveram? Na verda<strong>de</strong>, o que possuía inúmer<strong>as</strong> medid<strong>as</strong> <strong>de</strong><br />

trigo, mais <strong>de</strong>plorava e gemia do que o faminto, e aquele que tinha só o alimento<br />

necessário, cingia-se <strong>de</strong> coro<strong>as</strong>, exultava e dava graç<strong>as</strong> a Deus; quem, contudo, possuía<br />

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