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incômodos e dificulda<strong>de</strong>s. Se quem necessit<strong>as</strong>se <strong>de</strong> um médico, <strong>de</strong> um operário ou <strong>de</strong><br />

outro artífice <strong>de</strong>vesse empreen<strong>de</strong>r longa viagem, seria um estrago. Por isso também<br />

foram construíd<strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s que agrup<strong>as</strong>sem os homens. M<strong>as</strong>, para que pudéssemos<br />

facilmente ter acesso aos que estão longe, Deus esten<strong>de</strong>u o mar no espaço intermediário<br />

e <strong>de</strong>u-nos a velocida<strong>de</strong> dos ventos, facilitando <strong>as</strong> viagens. No início reuniu a todos num<br />

só lugar. Antes que fizessem mau uso do primeiro dom que haviam recebido, a<br />

concórdia, não os dispersou. De todos os modos, porém, nos coligou: por meio da<br />

natureza, do parentesco, da língua e do lugar. Não queria que perdêssemos o paraíso (se<br />

o quisesse, não teria posto ali no princípio o homem que criara), m<strong>as</strong> a causa da expulsão<br />

foi a <strong>de</strong>sobediência. Igualmente não queria que existissem vári<strong>as</strong> língu<strong>as</strong>; do contrário,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início teriam existido. Outrora, porém, em toda terra havia <strong>as</strong> mesm<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong>,<br />

uma só língua para todos. Por isso, quando quis <strong>de</strong>spovoar a terra, nem então nos fez <strong>de</strong><br />

matéria diversa, nem transferiu o justo para outro lugar; <strong>de</strong>ixou no meio da tempesta<strong>de</strong> o<br />

santo homem Noé, e através <strong>de</strong>le, qual centelha para o mundo todo, reacen<strong>de</strong>u a chama<br />

do gênero humano. No princípio, porém, criou apen<strong>as</strong> um po<strong>de</strong>rio, dando ao homem<br />

precedência sobre a mulher, m<strong>as</strong> como o gênero humano ficou transtornado por muita<br />

<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, instituiu outro, a saber, o dos senhores e magistrados; e isso por causa da<br />

carida<strong>de</strong>. Uma vez que a malícia dissolveu e arruinou o gênero humano, estabeleceu n<strong>as</strong><br />

cida<strong>de</strong>s os juízes, que, à guisa <strong>de</strong> médicos, eliminando a malícia, esta peste da carida<strong>de</strong>,<br />

a todos congreg<strong>as</strong>sem na unida<strong>de</strong>. Visando, porém, que houvesse gran<strong>de</strong> concórdia não<br />

apen<strong>as</strong> n<strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s, m<strong>as</strong> também em cada uma d<strong>as</strong> c<strong>as</strong><strong>as</strong>, <strong>de</strong>u ao homem a honra do<br />

domínio e a precedência, e à mulher a concupiscência, e a ambos o dom da procriação<br />

dos filhos, e ainda preparou outros meios para induzir à carida<strong>de</strong>. Nem tudo permitiu ao<br />

homem, nem tudo à mulher, m<strong>as</strong> separou o que cabia a cada qual, <strong>de</strong>stinando a c<strong>as</strong>a à<br />

mulher, e ao homem o exterior: ao homem em vista da subsistência, o cultivo da terra, à<br />

mulher, a provisão d<strong>as</strong> vestes, a tela e a roca, dando-lhe habilida<strong>de</strong> para tecer. M<strong>as</strong><br />

pereça a cobiça, que faz <strong>de</strong>saparecer tal diferença. De fato, a preguiça <strong>de</strong> muitos<br />

conduziu alguns homens à tecelagem, e colocou-lhes n<strong>as</strong> mãos <strong>as</strong> navet<strong>as</strong>, os fios e os<br />

estames. Todavia, mesmo <strong>as</strong>sim brilha a providência divina. Pois precisamos d<strong>as</strong><br />

mulheres para variad<strong>as</strong> obr<strong>as</strong> indispensáveis, precisamos dos subordinados para divers<strong>as</strong><br />

exigênci<strong>as</strong> da vida. É tão gran<strong>de</strong> tal necessida<strong>de</strong> que mesmo o mais rico dos homens não<br />

está isento <strong>de</strong>ssa conjuntura, <strong>de</strong> sorte que carece do trabalho <strong>de</strong> um inferior. Não<br />

somente os pobres precisam dos ricos, m<strong>as</strong> igualmente os ricos dos pobres, e estes são<br />

mais indispensáveis àqueles dos que aqueles a estes.<br />

Para maior clareza, imaginemos, se vos apraz, du<strong>as</strong> cida<strong>de</strong>s. Uma somente <strong>de</strong> ricos,<br />

outra <strong>de</strong> pobres. Na cida<strong>de</strong> dos ricos não se encontra pobre algum, na dos pobres<br />

nenhum rico, num expurgo completo <strong>de</strong> amb<strong>as</strong>. E vejamos qual po<strong>de</strong>rá melhor b<strong>as</strong>tar-se<br />

a si mesma. Se chegarmos à conclusão <strong>de</strong> que provavelmente será a cida<strong>de</strong> dos pobres,<br />

tornar-se-á evi<strong>de</strong>nte que os ricos são mais carentes. Efetivamente, na cida<strong>de</strong> dos ricos<br />

não haverá artífice, nem arquiteto, nem operário, nem sapateiro, nem pa<strong>de</strong>iro, nem<br />

agricultor, nem ourives, nem tecedor <strong>de</strong> cord<strong>as</strong>, nem ofício algum semelhante. Qual o<br />

rico que alguma vez exerceu tais taref<strong>as</strong>, visto que mesmo os que a eles se entregam, no<br />

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