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muito, irritava-se e julgava estar perdido. Não é, portanto, a abundância que causa<br />

prazer, m<strong>as</strong> o espírito dado à sabedoria. Pois, sem ela, apesar do que possui, consi<strong>de</strong>rarse-á<br />

privado <strong>de</strong> tudo e lamentar-se-á. De fato, aquele homem, do qual agora nos<br />

ocupamos, mesmo se ven<strong>de</strong>sse o que tinha pelo preço que quisesse, ainda se queixaria<br />

porque não ven<strong>de</strong>u por preço mais alto; e se pu<strong>de</strong>sse fazê-lo por mais, ainda procuraria<br />

outro aumento; se ven<strong>de</strong>sse uma medida por uma moeda <strong>de</strong> ouro, ainda se entristeceria,<br />

porque não fora a meta<strong>de</strong> do alqueire. Se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início tal não foi o preço, não te<br />

espantes. Pois também os ébrios não se enchem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo, m<strong>as</strong> <strong>de</strong>pois que se<br />

saciaram <strong>de</strong> vinho, então se inflamam <strong>de</strong> se<strong>de</strong> mais intensa. Assim, estes também quanto<br />

mais conseguirem, tanto maior será sua indigência; e os que lucram mais, mais<br />

necessitados ficam. Não o digo somente a respeito daquele homem, m<strong>as</strong> <strong>de</strong> cada um dos<br />

que sofrem da mesma moléstia, que aumentam o preço dos víveres e empobrecem o<br />

próximo. Jamais possuem sentimentos humanos, m<strong>as</strong> sempre a muitos agita o amor do<br />

dinheiro por oc<strong>as</strong>ião d<strong>as</strong> vend<strong>as</strong> e um ven<strong>de</strong> mais cedo o trigo e o vinho, e outro mais<br />

tar<strong>de</strong>. Nenhum dos dois procura o bem comum, m<strong>as</strong> um só pensa em ganhar mais, outro<br />

em não ter prejuízo, se o produto se alterar.<br />

Visto que a maioria dos homens não dá muita importância às leis <strong>de</strong> Deus, e mantém<br />

tudo trancado, Deus <strong>de</strong> diverso modo os leva a sentimentos humanos, a forçosamente<br />

praticarem algum bem por medo <strong>de</strong> um dano maior, pois não <strong>de</strong>ixa durarem muito os<br />

frutos da terra, a fim <strong>de</strong> que sejam transmitidos aos necessitados, embora a contragosto e<br />

ao menos pelo receio do estrago da podridão, porque fechados em c<strong>as</strong>a mal seriam<br />

conservados. Na verda<strong>de</strong>, apesar disso, ainda existem os que a tal ponto são incorrigíveis<br />

que nem <strong>de</strong>sta forma apren<strong>de</strong>m. Muitos <strong>de</strong>ixaram vazar até um tonel inteiro, e nem um<br />

copo <strong>de</strong>ram aos pobres, nem um pouquinho <strong>de</strong> dinheiro aos indigentes, <strong>de</strong>rramaram por<br />

terra o vinho que <strong>de</strong>generou em vinagre e estragaram juntamente com o vinho o barril.<br />

Outros ainda que nem um pão <strong>de</strong> cevada dão ao indigente, jogaram no rio recipientes<br />

inteiros <strong>de</strong> trigo. E por que não aten<strong>de</strong>ram ao mandamento <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong> dar aos pobres,<br />

contra sua vonta<strong>de</strong> a traça os obrigou a jogar no rio inteiramente estragado o que havia<br />

<strong>de</strong>ntro, atraindo para si muita zombaria, muit<strong>as</strong> adjurações sobre su<strong>as</strong> cabeç<strong>as</strong><br />

simultaneamente com esse prejuízo. Tais cois<strong>as</strong> acontecem aqui; com que palavr<strong>as</strong><br />

explicar o que suce<strong>de</strong> no além? Assim como esses jogam no rio o trigo inútil, comido<br />

pela traça, <strong>as</strong>sim os que tais cois<strong>as</strong> fizeram, e por isso mesmo são inúteis, Deus os lança<br />

no rio <strong>de</strong> fogo. Pois como a traça e o verme roem o trigo, a cruelda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong><br />

corroem <strong>as</strong> alm<strong>as</strong> <strong>de</strong>les. A causa disso é estarem aprisionados aos bens presentes e só<br />

<strong>as</strong>pirarem pela vida terrena. Daí vem que sua alma se enche <strong>de</strong> amargor. Seja o que for a<br />

que <strong>de</strong>res o nome <strong>de</strong> agradável, o medo da morte b<strong>as</strong>ta para apagar tudo. Um tal homem<br />

já morreu até mesmo durante a vida. E não é espantoso que tal aconteça aos infiéis,<br />

quando aqueles que participaram <strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong>s mistérios, e meditaram tanto nos bens<br />

futuros, <strong>de</strong> bom grado vivem ligados às realida<strong>de</strong>s presentes. Merecem algum perdão? O<br />

que acontece uma vez que eles <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> vivem presos aos bens atuais? Pelo fato<br />

<strong>de</strong> se entregarem aos prazeres, saturam a carne, enfraquecem o ânimo, tornam maior o<br />

peso, e en<strong>vol</strong>vem-se em muit<strong>as</strong> trev<strong>as</strong> e espesso véu. No meio d<strong>as</strong> <strong>de</strong>líci<strong>as</strong>, na verda<strong>de</strong>,<br />

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