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Tomo I

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endemos o papel do educador no abrigo.“O abrigamento é apenas uma das oito medidas previstas peloEstatuto da Criança e do Adolescente para proteger meninos emeninas cujos direitos foram violados. [...] é definido comomedida provisória excepcional a ser empregado enquanto sereverte a situação de violação ou como transição para umafamília substituta. Só deve ser aplicado quando se esgotaremas tentativas de permanência da criança na família.”[3]Definido o abrigo como espaço de proteção, o critério paraabrigamento é a violação de direitos que exige um afastamentotemporário da convivência com os familiares e faz do abrigouma moradia alternativa. Não podemos entender o abrigo comoespaço de institucionalização, uma vez que não retira a liberdadeda convivência com a comunidade. Crianças e adolescentesnão se encontram no abrigo porque violaram direitos,mas porque seus direitos foram afrontados. O pressuposto doECA é evitar rupturas dos vínculos familiares em decorrênciada pobreza. Portanto, o abrigo deveria ser“[...] um lugar de encontro feliz, fraterno, terno, saudável, humano,criativo, educativo, [...] onde todos se respeitam, seajudam a crescer e a se formar para viver nesse mundo decompetição e desumano, sem se deixar vencer por suas máximase diretrizes, mas sim viver a experiência do amor. Nossaproposta é [...] a criação do ‘homem novo’, sujeito da própriahistória, consciente de seus direitos de cidadania, inserido nocontexto social. [...] Uma das estratégias dessa pedagogia éenvolvê-los num clima de diálogo, partilha, solidariedade eafetividade, no ambiente do Lar, junto à conscientização dosseus direitos, deveres e necessidade do empenho na autopromoção,como também a libertação de questionáveis ‘generosidades’,manipulações e dirigismos, tudo isso na medida daspossibilidades individuais” (Relatório Anual do Abrigo, in SouzaNeto, 2002).Acredita-se que o sujeito sempre pode mudar a si mesmo e aooutro. Não existe uma explicação única e um único fator determinanteda mudança, mas vários fatos e interpretações paraela. Entre os objetivos das estratégias vivenciadas no dia-adiaestá a aprendizagem do uso do acaso, do sofrimento, dadesilusão e da decepção, como também da energia e da inteligênciados adversários, em benefício pessoal e do grupo.O desafio dos abrigos é romper com a cultura e com os procedimentospedagógicos que ainda trazem consigo os rançosdas instituições totais. Essa proposta pressupõe a humanizaçãodas relações e a desconstrução de algumas categoriasfundantes de análises institucionais e das práticas pedagógicas.Os operadores sociais devem cuidar para não reproduzirrepertórios que congelem a criança ou o adolescente por meiode estigmas e estereótipos que as transformem em uma coisa.A experiência do abandono afeta qualquer indivíduo, destrói edesorganiza as estruturas psicológicas. Por isso, os educadoresdevem ter uma boa formação para não submergirem nessarealidade, a ponto de perderem a criatividade. A relação entreeducador e educando deve produzir um novo modus operandi.É importante cuidar da política salarial desses profissionais - oque não é objeto de discussão deste artigo -, fator que interfereno processo educativo.O que percebemos é que a proposta pedagógica do ECA temcomo pressuposto um processo de aprendizagem que sedesenvolve na relação com o outro e com o grupo. As criançase adolescentes atendidos pelos programas sociais devem sesentir em condições de satisfazer suas necessidades easpirações, sempre por uma perspectiva ética e de vivênciagrupal. Os elementos pedagógicos emancipatórios presentesno ECA têm como pressuposto que aprendizagem é “aprender”.Isto significa “[...] desenvolver a capacidade de processarinformações e lidar com os estímulos do ambiente, organizandoos dados disponíveis da experiência” (Beltrão, 2000:25).Essa compreensão nos permite afirmar que a criança e oadolescente só são carentes abandonados ou delinqüentesdentro das relações sociais estabelecidas. Não são o que sãoapenas por um ato de vontade pessoal. O desviante não estáfora da cultura, mas faz uma leitura e tem uma ação divergente.Só é considerado como tal num determinado momento e numdeterminado contexto. Essa teoria nos possibilita compreendera formação social do Brasil, bem como da populaçãomarginalizada ou desviante. Só existem ricos, porque existempobres, só existem instituições, porque existem aqueles queforam excluídos dos bens de consumo. Como acena Marx,“[...] um negro é um negro; apenas em determinadas condições,ele se torna escravo. Uma máquina de fiar algodão é umamáquina de fiar algodão. Ela se transforma em capital apenasem condições determinadas” (Ianni, 1982:95).As instituições e as políticas sociais existem, porque as relaçõessociais se constituem de maneira desigual. O que garantesua existência é a necessidade que os trabalhadores e opoder político têm de manter a ordem e de garantir a sobrevivênciadas crianças e adolescentes que vivem à margem dasociedade.O fracasso das práticas sociais de confinamento de milharesde jovens e adultos em instituições totais, como meio de ressocializar“menores” supostamente abandonados e delinqüentes,está relacionado com um vasto processo de ideologização.Filantropos ganham uma feição de guardiões da bondade; avítima é desacreditada e culpabilizada; instituições, autoridadese violadores de direitos aparecem como bondosos e virtuosos;no caso dos supostamente abandonados e delinqüentes, ojuiz surge como um pai bondoso, que corrige os desvios e asinjustiças. Este quadro ajuda a fortalecer as ciências sócio-jurídicase médicas, em detrimento das ciências sociais e educacionais.Para compreender melhor esse conjunto de elementos,é necessário analisar os abrigos de crianças e adolescentes,e perceber neles as ambivalências e a formação dasubjetividade.A partir de uma certa leitura de Foucault, Gramsci e Marx, poderíamosinferir que as práticas da assistência e das instituiçõesassistenciais tentam seqüestrar o desejo e a subjetividade,para enquadrá-los num sistema normatizador. Portanto, nãobuscam excluir o indivíduo, mas fixá-lo em determinado espaço,a partir de um conjunto de técnicas e ações disciplinares.O saber produzido por elas e por seus intelectuais discursa emnome da vítima que fabricam e, de uma forma ou de outra,fortalece a morte do sujeito. Em síntese, “[...] as instituiçõesdisciplinares fazem funcionar um poder que, polimorfo e polivalente,não é essencialmente localizado em um pólo centralizadoe personificado, mas, e sobretudo, difuso, espalhado,minucioso, capilar” (Muchail, in Ribeiro, 1985, 306).Cada alteração do ordenamento jurídico modifica também aspráticas sociais e assistenciais. Com isso, não estamos defendendoque as mudanças sociais advenham das alterações jurídicas,uma vez que elas expressam diferentes arranjos econômicos,religiosos e políticos. A assistência aos pobres sempretrouxe uma contradição, porque, apesar de sua aparentefinalidade de erradicar a pobreza, na verdade, mascara o processode desigualdade social. No século XVIII, por exemplo, oque estava por detrás era transformar os pobres em mão-deobra,como atestam Marx, em O Capital, e Foucault, na Históriada Loucura.Apesar das dificuldades e adversidades enfrentadas na sociedadee nas instituições disciplinares, o sujeito sempre encontraum nicho para resistir. Onde está o poder, ali se manifestaa resistência do sujeito. É verdade que ele mais sofre por seusfracassos e limitações do que se alegra por seus êxitos, mas écapaz de sonhar e de romper com os tabus e com os sentimentosde culpa que o enrijecem. Esse sentimento fortalece avergonha, que acaba impedindo o sujeito de agir. De um lado,a realidade de sofrimentos e as propagandas ideológicasmultiplicadas levam o sujeito a desistir da esperança, paraviver das migalhas da caridade e da misericórdia. De outrolado, esse mesmo contexto pode impulsioná-lo a encontrar osentido da existência humana.563

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