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Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

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4 A arte amatória<br />

A Ars amatoria de Ovídio é o ponto de confluência da<br />

elegia erótica romana com a erótica do uso de ascendência<br />

estóica, a obra onde a alternativa paradoxal na qual essas duas<br />

experiências tinham encerrado o erotismo antigo encontra solução:<br />

ou servir, mesmo que com distanciamento humorístico<br />

e com ironia — movimentos passionais que a filosofia e a<br />

opinião corrente da época julgavam inconvenientes —, ou fechar-se<br />

numa disciplina que, nascida da exigência de um uso<br />

moderado dos prazeres, acabava por levar à mais rigorosa austeridade<br />

e à negação do eros. Para Ovídio, a paixão deve ser<br />

vencida mediante a sua aceitação e apropriação, e não eludida<br />

humoristicamente, nem transcendida e sublimada na castidade.<br />

O intuito de Ovídio ao propor-se como praeceptor Amoris 12<br />

implica, portanto, uma passagem, um trânsito do amor<br />

incontrolado e selvagem (ferus) ao amor sustentado com arte<br />

terna (placida arte). Assim, com Ovídio o amor torna-se objeto<br />

de uma arte, de uma técnica, que o transforma profundamente,<br />

respeitando, entretanto, a sua essência: o amor não<br />

deve ser considerado mero instrumento de produção literária<br />

(como às vezes acontecia com o eros da tradição elegíaca), nem<br />

um instrumento de educação política (como às vezes acontecia<br />

com o eros pederástico grego). A passagem garantida pela<br />

arte é do mesmo para o mesmo — o leitor do poema, ao tornar-se<br />

um conhecedor, colherá novos amores. O sentimento<br />

e o desejo subjetivo não são de modo algum suficientes à plenitude<br />

do amor; ao contrário, são às vezes contraproducentes.<br />

A ars amatoria torna o amor intermediário de si mesmo,<br />

porque o libera da paixão. O amor descobre a própria essência<br />

através de um deslocamento que o torna diferente em re-<br />

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