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Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

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da às seitas gnósticas a prática de uma licenciosidade sexual<br />

ilimitada, na qual encontraram objeto de inspiração escritores<br />

do nosso século indubitavelmente eróticos, como Lawrence<br />

Durrell, a dimensão erótica parece, entretanto, excluída<br />

da Gnose exatamente pelo dualismo rigoroso entre um corpo<br />

nu, destinado à perdição, e um espírito vestido, destinado<br />

à salvação; esse dualismo impede a possibilidade de pensar em<br />

um estado intermédio, em um trânsito.<br />

A descoberta da possibilidade desse trânsito no interior<br />

da cultura judaica e da cultura helênica pertence ao pensamento<br />

contemporâneo e é obra de Hans Uns von Balthasar e de<br />

Martin Heidegger, respectivamente. Metafísica da veste e<br />

metafísica do nu concordam em atribuir à visibilidade — embora<br />

pensada e experimentada de maneiras opostas — uma dimensão<br />

absoluta. De fato, Balthasar mostra precisamente como<br />

na noção hebraica de kãbôd está implícita não só a magnificência<br />

visível, mas, além disso, a referência a algo de diferente, de invisível.<br />

Segundo a sua interpretação, o kãbôd não é uma noção<br />

estática, e sim dinâmica, que se apóia na tensão entre uma glória<br />

“informe” e uma imagem revestida de forma. 11 Ela implica<br />

um ver-não-ver, uma imagem-não-imagem; é ao mesmo tempo<br />

luz ofuscante e treva profunda. O kãbôd, portanto, ultrapassa<br />

o contexto litúrgico-cultual e estende-se a toda a criação, envolvendo,<br />

antes de mais nada, o homem, que foi criado à imagem<br />

e semelhança de Deus. Existe, pois, um trânsito entre o<br />

visível e o invisível, entre a veste e aquilo que ela cobre. Balthasar<br />

defende a possibilidade de uma erótica bíblica independente do<br />

platonismo; ele sustenta uma interpretação literal e profana do<br />

Cântico dos Cânticos — aqui, o eros não é um símbolo, nem<br />

uma alegoria. Ele apresenta só a si próprio e se manifesta “no<br />

travestimento do jovem e da jovem em rei e rainha”, no “jogo<br />

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