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Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

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Se o belo deve ser removido para “aliquid corpore pluris”,<br />

algo mais estável em sua presença do que o corpo, o feio, ao<br />

contrário, deve ser deslocado mediante estratagemas técnicos<br />

de caráter físico. Aqui, Ovídio inverte a opinião geral, segundo<br />

a qual o feio se remedia com as qualidades do espírito, enquanto<br />

o belo basta a si mesmo. A sua atenção à cosmética não<br />

é portanto fatuidade, mas nasce dessa singular inversão. Igualmente<br />

importante é um saber topológico que saiba pôr em evidência<br />

os aspectos mais belos do corpo e ocultar os feios: a<br />

que tiver um belo rosto deite de costas; quem tiver um ventre<br />

cheio de rugas cavalgue no amplexo, como em fuga usam fazer<br />

os partos, e assim por diante (III, 775 e seguintes). Onde<br />

os estratagemas cosméticos e topológicos falham, paradoxalmente<br />

tem sucesso a repetição — “Àquilo que desagrada, habitua-te:<br />

aos poucos não lhe darás mais importância” (II, 674);<br />

“pouco a pouco o tempo (dies) faz desaparecer do corpo todo<br />

defeito; aquilo que assim foi não o é mais” (II, 653-4). A mora,<br />

a multiplicação do mesmo, o seu deslocamento repetido apaga<br />

o negativo: “Assim, narinas desacostumadas não suportam a<br />

podridão do couro; depois, pouco a pouco não a percebem<br />

mais, acostumadas” (II, 655-6). O que é repetido deixa de ser<br />

feio: a cópia indiscernível do original é essencialmente diferente<br />

deste, exatamente porque anula sua negatividade.<br />

O feio é, além disso, objeto de um terceiro tipo de deslocamento<br />

amatório, que se baseia na proximitas entre defeitos<br />

e qualidades: “Nominibus mollire licet mala”* (II, 657). Podese<br />

chamar morena àquela que tem a pele mais escura do que o<br />

breu ilírico, pode-se comparar a estrábica a Vênus, pois tal defeito<br />

lhe era atribuído pelo mito, a sem graça será semelhante a<br />

* Os males podem ser mitigados com palavras apropriadas. (N. do T.)<br />

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