12.04.2013 Views

Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

Pensando o ritual - Sexualidade, Morte, Mundo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

morte, o ser-aí assume a dimensão da totalidade, ou, como<br />

diz Heidegger, de um autêntico poder-ser-um-todo. 12<br />

A concepção da morte como simulacro é diametralmente<br />

oposta àquela heideggeriana. Ela implica uma simulação da<br />

morte, uma “morte simbólica” que ocorre no rito da iniciação.<br />

Essa prática, extremamente difundida nas sociedades primitivas,<br />

consiste “na instauração de uma troca lá onde havia<br />

apenas o fato bruto: da morte natural, aleatória e irreversível,<br />

passa-se a uma morte dada e recebida, portanto reversível na<br />

troca social. 13 A iniciação é justamente uma morte simulada<br />

que assinala o ingresso da criança na sociedade, que o transforma<br />

em um verdadeiro ser social. Distinguindo-se, portanto,<br />

da sociedade contemporânea, que se baseia no recalque da<br />

morte, é justamente nela que as culturas primitivas fundam a<br />

própria sociabilidade, no estabelecimento de uma troca simbólica<br />

entre a vida e a morte. A conseqüência mais importante<br />

dessa perspectiva consiste em considerar a morte um ponto de<br />

partida: ela não constitui o poder-ser iminente do ser-aí, mas<br />

o seu passado, o seu fundamento, a sua realidade transcorrida.<br />

A existência social, portanto, é inocente em sua nulidade<br />

essencial. De fato, a função da iniciação consiste na expiação<br />

do crime original, o do nascimento: ela apaga “o acontecimento<br />

separado do nascimento”, a pretensão de ter uma identidade<br />

autônoma, independente, subjetiva. Portanto, a sociabilidade<br />

que a simulação da morte institui é irresponsável; ela se<br />

situa no extremo oposto da iniciativa individual e da ética profissional,<br />

bases do nascimento e desenvolvimento do capitalismo<br />

moderno. O ser nada, o ser ninguém que a morte<br />

iniciatória realiza, permite a seu modo uma estranha experiência<br />

da totalidade, que consiste no poder ser tudo, em uma<br />

disponibilidade aberta a todos os papéis da vida social.<br />

169

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!