UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
102<br />
linguagem, Lacan opera uma modificação fundamental na maneira de se<br />
pensar o sujeito em psicanálise, explicitado na frase: “o inconsciente é,<br />
no mais profundo de si, estruturado, enredado, acorrentado pela<br />
linguagem” (Lacan, 1995 [1955], p. 135). Creio ser importante fazer<br />
alguns apontamentos sobre essa citação. A primeira delas é sobre o uso<br />
do termo “acorrentada”: Lacan parece enfatizar que não é qualquer<br />
língua que produz esta constituição, mas a língua materna, a língua<br />
primeira. A segunda é colocada por outra citação, do texto de 1974,<br />
intitulado Télévision, no qual postula que “a condição do inconsciente é<br />
a linguagem” (Lacan, 1974, p. 15), ou seja, sem linguagem não há<br />
inconsciente, ela é necessária e constitutiva para a produção – o que<br />
parece em sintonia com suas teorizações sobre o Édipo como abertura<br />
para a cultura e o estádio do espelho como estruturante.<br />
Este foco na linguagem ocasionou distorções em alguns<br />
conceitos que não eram revistos em muito tempo na psicanálise, como o<br />
trecho a seguir exprime:<br />
Tudo aquilo que é da ordem do inconsciente — na<br />
medida em que este é estruturado pela linguagem<br />
— coloca-nos diante do seguinte fenômeno: nem<br />
o gênero, nem tampouco a classe nos permitem<br />
apreender as propriedades mais significativas; a<br />
única via se encontra no exemplo particular<br />
(Lacan 1956-1957, p. 65).<br />
Aqui, Lacan, além de apresentar uma de suas principais<br />
conceituações e releituras, também pincela algo que poucos autores<br />
costumam ver em sua obra, leia-se, a desestruturação do sexo orgânico<br />
como fundante do sujeito dentro da psicanálise. A leitura lacaniana<br />
parece fundar-se muito mais perto da tradição feminista, principalmente<br />
ao nos debruçarmos sobre a forma como autoras como Butler (1993)<br />
pensam a lógica amor/sexo/desejo/gênero, ou seja, não existindo a<br />
necessidade de haver uma congruência implícita entre as várias<br />
categorias. Essa incongruência é exatamente a lógica do sujeito barrado<br />
proposta por Lacan, segundo a qual o saber insabido, expresso na<br />
enunciação sem que o sujeito mesmo saiba que isso ocorre, acaba por<br />
determiná-lo.<br />
Uma segunda apreciação desta citação também inclui a crítica<br />
que Lacan faz às leituras sobre classe, uma clara crítica às leituras<br />
classistas tão dominantes nas ciências humanas. Essa crítica é<br />
interessante do ponto de vista da análise realizada neste trabalho, pois