UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
168<br />
Como finalização para a análise deste caso, será posta em<br />
evidência a performatividade constituída por Quiron em sua<br />
masculinidade e o efeito dos crimes que cometeu na sua compreensão<br />
do que é ser homem. O sujeito subscreve aos conceitos comumente<br />
associados à masculinidade nas sociedades ocidentais:<br />
Papel de homem é trabalhar, ser alguém na vida,<br />
estudar, coisa que eu nunca fiz na minha vida. Ter<br />
uma família, construir uma família. E ser alguém<br />
na vida, né? Isso, nada eu fui, desde pequeno.<br />
Sempre roubei, sempre matei, aí comecei com os<br />
crime feio, estupro. Hoje tô na cadeia, vou passar<br />
um bom tempo. Se depender de mim, eu vou<br />
passar um bom tempo aqui na cadeia. Seja o que<br />
deus quiser.<br />
Mesmo afirmando que voltará ao tráfico ao sair da<br />
penitenciária, Quiron também afirma seu desejo de evitar a vida envolta<br />
em criminalidade que viveu. Relata a ajuda que sua família lhe vem<br />
oferecendo na forma de uma casa em outra cidade com um emprego em<br />
um negócio na mesma localidade, mas também convive com o lucrativo<br />
tráfico de drogas em sua própria cela: “pretendo ser, né? Pretendo<br />
trabalhar, vivo pensando nisso; pretendo trabalhar. Tem o meu patrão,<br />
que quer botar uma droga na minha mão, mas eu não quero pegar. Ele<br />
tá comigo, o meu patrão. É, preso comigo, mora no mesmo cubículo que<br />
eu”.<br />
Estes trechos indicam como o trabalho, a família e o prover<br />
continuam sendo pivotais para a experiência da masculinidade para<br />
Quiron, em consonância com a maioria dos estudos sobre<br />
masculinidade, em especial na América Latina, que ainda se caracteriza<br />
pelo discurso machista (Messerchmidt, 2005; Marsiglio & Pleck, 2005;<br />
Gutmann & Vigoya, 2005). Afirma que falhou nestes quesitos, mas<br />
também que pretende atingi-los quando sair – pela porta da frente – da<br />
penitenciária. Em consonância com Femenias (2009), também fala da<br />
precariedade de seu trabalho e de como seu envolvimento com as drogas<br />
e o fim do relacionamento com Sandra tiveram o efeito do abandono do<br />
emprego comum e a volta para o tráfico de drogas: “enquanto eu não<br />
usava droga, eu trabalhava, né? Tinha. Pensava em ser alguém na vida.<br />
Comecei a usar droga, fui morar na favela, só azar”.<br />
A construção reiterada, em camadas que se depositam ao longo<br />
do tempo, é observável na descrição de Quiron de como estes fatos se