UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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Com faca eu matei meu padrasto. [...] Porque ele<br />
me abusou quando pequeno e ele judiava muito de<br />
mim, né? Minha mãe saía pra trabalhar, ele<br />
ficava batendo em mim, avacalhando comigo. [...]<br />
Matei ele com 15 ano. Ele devia ter uns 42, 43.<br />
[...] Eu peguei ele. A mãe saiu pra trabalhar, ele<br />
foi no galinheiro; eu fui por trás, dei uma facada<br />
na espinha. Ele caiu, furei, joguei debaixo da<br />
casa, esperei escurecer. Levei pro mato, enterrei.<br />
Aí o vizinho foi cavar um buraco pra fazer um<br />
mueirão de cerca, viu que tinha um negócio assim<br />
meio mole, assim, na terra. Abriu a terra assim,<br />
achou ele, recolhero o corpo. Aí deu que ele<br />
mexia com droga. Como ele mexia com droga,<br />
alguém matô, não deu nada.<br />
Vingança é uma palavra que Quiron não utiliza em nenhum<br />
momento da entrevista, mesmo que suas intenções ao sair do cárcere<br />
(“ou eu volto pra cadeia por tráfico ou por algum homicídio, né?<br />
Porque eu pretendo matar umas pessoas aí que me deve”) estejam<br />
absolutamente voltadas para sua volta à criminalidade e ao acerto de<br />
contas. Tal vingança também transparece no que fez com Sandra ao fim<br />
de seu relacionamento, após tê-la estuprado, posto para fora da casa que<br />
coabitavam e queimado suas roupas, sendo que, todas as vezes em que a<br />
encontrava nas ruas, lhe batia: “ah, umas dez vezes. Tinha vezes em que<br />
ela me via que ela até atravessava a rua, disparava”. Femenias (2009)<br />
propõe, sobre a conduta violenta e vingativa de homens, que<br />
principalmente os afetados pela precariedade econômica e por suas<br />
consequências, desenvolvem na violência uma forma de sair deste lugar<br />
de subalternidade, de modo que “hay una ruptura total de los límites, un<br />
ensañamiento con las víctimas que nace del rencor, del espíritu de<br />
revancha contra “la mujer”, donde “esta mujer” concreta no es sino la<br />
exponente del colectivo sobre el que “cobrar” venganza,<br />
disciplinándolas” (id., ibid., p. 62).<br />
Ferraz (2000, p. 58), ao falar das conceituações de perversão,<br />
alerta que “a função do risco como fator de excitação e de prazer sexuais<br />
é inerente à dinâmica da vingança”. Também concebe a hostilidade na<br />
perversão como assumindo “a forma de uma fantasia de vingança –<br />
escondida em ações que a dissimulam – que tem a função precípua de<br />
converter um trauma infantil em um triunfo adulto” (idem, p. 56). Esta<br />
fantasia é posta em ato por Quiron todas as vezes em que pratica um ato