UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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de reparação, a partir do momento em que são julgados e presos como<br />
autores de violência sexual.<br />
Esta não é uma apologia a estes autores de crimes altamente<br />
violentos nem uma defesa deles, apenas uma reflexão que propõe que a<br />
maneira como estes são julgados e tratados pelo sistema judiciário tem<br />
uma lógica perversa de docilização dos corpos violentadores,<br />
independentemente do que estes corpos comprovem que houve<br />
(“prescindindo-se do exame pericial”). No final, produz-se uma<br />
emasculação simbólica; coloca-se, como Femenias & Rossi (2009)<br />
teorizam, o homem no lugar da posição feminina, no lugar do sem<br />
poder, da não providência para a família e da impossibilidade de<br />
reparação.<br />
Ora, a produção de provas é dever do judiciário; e, a partir do<br />
momento em que se prescinde destas em favor do discurso, abre-se a<br />
porta para inúmeras possibilidades de fraude no processo jurídico. A<br />
saída não se encontra apenas no valorizar a palavra da vítima (mesmo<br />
que este seja um passo importantíssimo, principalmente nos casos de<br />
violência sexual), mas valorizar igualmente a palavra de todos os<br />
envolvidos, ao mesmo tempo em que se produzem indícios que<br />
posteriormente se tornarão provas no processo.<br />
Uma das grandes queixas elaboradas pelos sujeitos da pesquisa<br />
era exatamente esta: a de que não eram ouvidos em lugar algum. Não<br />
falavam durante o processo, não participavam de maneira ativa em seu<br />
próprio julgamento, sendo apenas conduzidos por um aparente poder<br />
maior. Se por um lado esta surdez do judiciário produz a possibilidade<br />
de as vítimas falarem sem que haja maiores problemas, por outro cria<br />
para estes sujeitos uma situação violenta de angústia. Esta angústia era<br />
relatada ao fim de várias entrevistas, nas quais os sujeitos agradeciam a<br />
oportunidade de serem ouvidos, de contar suas histórias, de “tirar um<br />
peso do peito” ou de “ficar sossegado”, suscitando, inclusive, pedidos de<br />
que fossem realizadas novas sessões de entrevista.Esta foi uma das<br />
principais propostas deste trabalho: escutar os sujeitos sem préconcepções,<br />
sem que houvesse uma necessidade de desvelar um crime<br />
escondido ou uma estrutura determinante de que aquele sujeito havia<br />
cometido tais crimes. Nada importa para essa pesquisa que se prove<br />
alguma coisa para os sujeitos; o que importa são suas palavras, suas<br />
ideias, o que se passa de performativo e enunciativo neste discurso.<br />
Portanto, a empreitada nunca significou descobrir uma teoria<br />
subjacente às suas palavras que nos desse uma base de condenação ou<br />
ação, mas desvelar, de alguma maneira, o que estes homens reproduzem