UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
118<br />
Alguns detalhes nessa fala novamente trazem dúvida para as<br />
afirmações de Esaú. Primeiramente, o fato de incluir nesta uma neta:<br />
esta neta não foi citada em nenhum processo ou acusação formada<br />
contra Esaú. Outro detalhe é a formação de um pequeno ato falho;<br />
começa a falar “como é que eu vou fa[zer]...”, verbo entrecortado que<br />
indica a ação presentificada, logo depois modificada para “teria<br />
coragem de fazer” – sem esta modificação verbal, a construção<br />
demonstra a ação, e não a presunção de uma ação.<br />
Neste momento, deixa de falar disso para falar da comunidade<br />
onde vivia, usando novamente um argumento fora de contexto – no<br />
caso, a sua relação com seus vizinhos – para indicar como uma pessoa<br />
como ele não cometeria um crime sexual. Faz isso dizendo:<br />
Se perguntarem pra mim, se o senhor chegar na<br />
comunidade hoje e pedir um abaixo assinado de<br />
100, 200 assinaturas a favor meu, o senhor vai<br />
encontrar. Eu sou dado com deus e todo mundo,<br />
aonde eu moro só tenho amizade, todo mundo me<br />
quer bem. Porque nunca fui... ih, ih, ih... uma<br />
pessoa de maltratar ninguém. Nunca fui uma<br />
pessoa assim... sempre fui uma pessoa de ajuda.<br />
Nunca fui de atrapalhar ninguém; se não pudesse<br />
ajudar, também atrapalhar não atrapalhava.<br />
Então fui sempre. Graças a deus, onde... qualquer<br />
bairro que o senhor quiser que eu morei, eu tenho<br />
só amizade.<br />
Neste trecho, outra vez ocorrem algumas formações discursivas<br />
interessantes. A primeira é a inversão que faz entre o nunca e o sempre,<br />
dois absolutos postos lado a lado e que, antes de seu erro, indicariam o<br />
contrário do que falou. Outro ponto de interesse é sua hesitação ao falar<br />
que nunca maltratou ninguém. Freud, em uma fala para advogados, já<br />
dizia que, ao entrar em contato com o que chamava de um complexo<br />
ideacional (Freud, 1974 [1906]), o sujeito costuma cometer erros ou ter<br />
tempos de reação diferentes do habitual, o que possivelmente ocorreu<br />
neste ponto da entrevista. Quando realizo outra pergunta a respeito de<br />
suas outras filhas que não haviam feito qualquer acusação contra ele,<br />
novamente Esaú tem dificuldade em falar: “agora vem isso, nem vem,<br />
nem consigo falar disso, me dá até um nervoso”. Dias (2006, p. 402-<br />
403) estabelece que