UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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ela ‘oi, amor!’. Já dei-lhe uma bomba em cima da cara. Aí minha mãe<br />
tentou apartar a briga. Aí empurrei minha mãe. Aí acabei pegando ela<br />
de pau e quebrei ela todinha. Aí botei ela pra fora de casa só com a<br />
roupa do corpo. Queimei o resto das roupa dela”. Em outro momento<br />
da entrevista, complementa a cena dizendo: “eu tava na minha casa<br />
com a minha mulher, acabei transando com ela à força. Discuti com<br />
ela, bati nela, botei ela pra fora de casa. [...] Botei pra fora de casa, aí<br />
um amigo meu bem assim: ‘ah, ainda bem que tu botasse aquela mulher<br />
pra fora de casa; tu sai pra trabalhar, entra um cara pra brincar’.<br />
Fiquei mais no veneno. Comprei um 38 pra matar ela, mas daí vi que<br />
não valia a pena; deixar ela sofrer mesmo. Cada vez que cruzava com<br />
ela, dava umas porrada nela”.<br />
O não reconhecimento deste estupro que cometeu contra sua<br />
própria companheira é outro indicativo da lógica do desejo que Quiron<br />
submete aos outros. “Então, se existe uma relação da perversão com a<br />
pulsão, ela se baseia, antes de mais nada, nas manifestações da pulsão de<br />
morte que, por falta da articulação com a castração, leva à falta da<br />
Bändigung – ligação – que Eros provoca” (Alberti, 2005, p. 353).<br />
Complementando, Alberti (2005, p. 356) ainda postula que, “para o<br />
sádico, o sujeito é seu parceiro sexual, aquele que o sádico faz padecer<br />
da divisão, para o gozo do Outro. Ele próprio é apenas instrumento do<br />
Outro para tal padecimento que se sustenta no sofrimento do sujeito<br />
vitimado”. A imposição à sua parceira do ato sexual em um momento de<br />
tensão pela descoberta de um aborto que não desejava parece ser<br />
emblemática de várias questões que aparecem reiteradamente em seu<br />
discurso e sua história, especialmente pelo fato de ser o menos<br />
comentado e claramente não reconhecido como estupro. A pulsão de<br />
morte de que Alberti (2005) fala, aplicada ao caso aqui discutido, tem<br />
uma lógica insidiosa que não é destarte aparente; a pulsão de dominação<br />
é identificável: o outro visto como objeto, como propriedade,<br />
desprovido de desejo próprio. Essa situação é reforçada pela falta de<br />
reconhecimento social a que este crime específico estava sujeito quando<br />
foi perpetrado.<br />
Além da questão pulsional, ainda encontramos nesta cena a<br />
dificuldade do reconhecimento, pela lei, do estupro em uma união<br />
estável no momento em que o crime foi cometido. Apenas com a Lei<br />
Maria da Penha o estupro nesta situação vem a ser reconhecido de<br />
maneira efetiva, passando pela alçada da violência doméstica. Femenias<br />
(2009) reconhece, no desenvolvimento das sociedades ocidentais e<br />
particularmente na América Latina, concepções legais que perpetuam as