UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
138<br />
vê bem o meu processo porque tem processo em<br />
andamento ainda, outro estupro”. “Ah, tens...”.<br />
“Tenho. Não adianta a senhora pedir semiaberto.<br />
Deixa eu ficar aqui mais um pouco”. “Tu queres<br />
ficar aqui?”. “Não quero, né? Eu quero sair<br />
daqui com a cabeça no lugar, né, uma coisa<br />
diferente”. Aí ela disse: “então tá”. Aí cortou<br />
meu pedido de semiaberto. E tô pagando.<br />
Esta pequena passagem é rica em possibilidades de<br />
compreender o que se passa com Quiron. No encarceramento, ele<br />
finalmente se vê às voltas com o Outro, com uma instância maior que o<br />
seu próprio desejo, ainda que na mesma passagem também seja possível<br />
notar como Quiron faz sua vontade de permanecer encarcerado ser<br />
ouvida. Seu desejo continua sendo o único a ser respeitado, mesmo nas<br />
pequenas situações em que tem algum controle dentro da penitenciária.<br />
Ressalto estes pontos na medida em que tenho uma hipótese, a qual,<br />
para os leitores da psicanálise, deve estar clara: em Quiron encontramos<br />
enunciações carregadas dos típicos traços estruturalmente perversos.<br />
Tenho de ressaltar que não falo da perversão dos fetiches ou<br />
mesmo das teorias que compreendem qualquer sexualidade diferente da<br />
heterossexual como sendo perversa. Lacan (1991, p. 100), falando da<br />
obra de Sade, define o que estou entendendo aqui como perverso:<br />
“tomemos como máxima universal de nossa ação o direito de gozar de<br />
outrem, quem quer que seja, como instrumento de nosso prazer”. Este é<br />
o posicionamento de Quiron em relação às suas vítimas, não apenas as<br />
de estupro, mas também aquelas que sofreram assaltos ou que foram<br />
assassinadas.<br />
Para Quiron, a própria violência é conceituada de uma maneira<br />
sutilmente diferente do que aquela encontrada em outros casos<br />
previamente discutidos: “ah, estrupo é violência, matar é violência, eu<br />
já matei mas eu não fui condenado por isso”. O que parece definir a<br />
violência não são os atos em si, mas os efeitos dos mesmos. Para<br />
Quiron, a violência só é reconhecida pela sua punição. A condenação é a<br />
lente pela qual faz a análise de seus crimes; e crime sem punição (ou<br />
reconhecimento), no que indica em suas falas, não é crime.<br />
A questão do reconhecimento social ou judicial da violência<br />
para que se torne efetivamente violência para o sujeito entrevistado<br />
transparece na sua próxima fala: “ah, eu, o cara me devia uma droga na<br />
rua, acabei matando ele por droga, né? Dei dois tiro na cabeça. Aí não<br />
fui condenado porque não me acharam, né? Aí com isso aí eu tenho 17