UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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mínimo, deixa subentendido que não teria sido desprazeroso) como<br />
maneira de negá-lo. São estratégias fincadas no sociocultural que<br />
servem ao propósito de dar uma explicação lógica para o crime ou ainda<br />
de tirar a roupagem de crime do acontecido.<br />
Para compreender a posição enunciativa do sujeito entrevistado,<br />
é necessário que se entenda o que o mesmo conceitua como violência:<br />
“ah, o cara não tá certo, né? É violência, né? Que consumiu, né? Foi<br />
estuprado elas, isso aí já é uma violência. Ou não? […] É que nem<br />
bater, uma violência. Tudo que aconteceu foi uma violência”.<br />
Diferentemente do que Frith & Kitzinger (1997) propõem, o sujeito<br />
claramente compreende que o que se passou no evento foi uma violência<br />
e que não houve consentimento pela parte da vítima. Portanto, não<br />
existe uma falha de comunicação; o que acontece é que o sujeito<br />
simplesmente ignora esta comunicação. Sobre a violência ocorrida<br />
durante o estupro, o sujeito novamente afirma que nada sabe: “não, isso<br />
aí não tem nem como te explicar. Psicológico... […] Ah, é, né? Teve,<br />
isso aí teve, teve. Pedia pra elas ficar quieta; se elas falassem pra<br />
alguém, ia morrer. E pá”. Anteriormente, Carlos não tinha deixado<br />
claro que havia também participado da coerção das vítimas pelo<br />
silêncio, de maneira que apenas nesta fala podemos notar que se coloca<br />
como sujeito ativo em toda a situação. Esta frase e o impedimento de<br />
que os outros dois cúmplices estuprassem as vítimas são as únicas vezes<br />
na entrevista em que se articula ativamente. No entanto, na próxima fala<br />
já retorna à posição anterior de vítima das circunstâncias: “é, o cara lá<br />
ameaçou, né? Eu nem sei, disse: ‘ó, ninguém vai matar vocês, não; fica<br />
tranquilo que não vai acontecer nada’”.<br />
Os efeitos deste crime ainda são sentidos por Carlos, mesmo em<br />
sua própria família: “ah, tem um irmão meu que eu nem converso mais,<br />
né? Por causa disso. Ninguém acreditava, né? Pelo que eu tinha na rua,<br />
que eu fazia, ninguém acreditou. [...] Jamais ia fazer isso, não tinha<br />
necessidade de fazer isso. E alguns entenderam, né? Entenderam que<br />
aconteceu, que falou que passou isso”. Supondo a situação hipotética de<br />
que o menor não estivesse armado, Carlos responde: “não, não teria<br />
feito, não. Não teria feito, não. Isso eu tenho certeza, assino embaixo.<br />
Não teria feito, não”.<br />
Outro aspecto de importância para as análises contidas neste<br />
trabalho é a masculinidade. Carlos várias vezes cita sua família e filhos<br />
durante a entrevista como forma de dizer que tem acesso a mulheres e<br />
consequentemente a sexo, mas a paternidade não aparece com tanta<br />
relevância como entre outros entrevistados. Para Carlos, a<br />
masculinidade se define como: “ah, verdade, minha cabeça fez, pensa