UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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estupradores, atingindo outros presos que, no<br />
espaço da cadeia, estão sujeitos a hierarquias de<br />
poder e violência interna (ibid., p. 115).<br />
Esta hierarquia, no entanto, não se restringe aos próprios presos;<br />
mas, pela própria organização e natureza (produzida) das prisões,<br />
também se reflete nos sujeitos que nela trabalham. O aparato policial<br />
constituído desde as delegacias, prisões e penitenciárias envolve uma<br />
constelação de diferentes profissionais, todos entrecortados por relações<br />
de poder sobre os sujeitos com quem trabalham. Estas relações por<br />
vezes também são fonte de violências sofridas pelos sujeitos em cárcere.<br />
Quiron passou seis anos de sua pena no Hospital de Custódia da<br />
penitenciária em virtude, inicialmente, de uma tentativa de suicídio que<br />
cometeu após sua prisão: “prenderam, levaro pra delegacia, me dero<br />
choque, me dero – me apanhei um monte. Mas eu confessei tudo, tudo<br />
que eu fiz. Mesmo assim, me dero choque, apanhei, levei porrada, fui<br />
pro pau de arara. Caí na macaquinha elétrica. […] No Estreito, na<br />
delegacia do Estreito. E daí tentei me matar (mostra várias cicatrizes de<br />
cerca de 15 centímetros no pulsos e nos braços). Como o senhor pode<br />
ver, tentei me matar”.<br />
A tentativa de suicídio é de difícil análise no contexto<br />
enunciado, visto que o sujeito não dá nenhum outro detalhe além das<br />
próprias cicatrizes encontradas em seus braços, que implicam cortes<br />
profundos. Os efeitos desta tentativa, no entanto, são profundos na<br />
trajetória do sujeito dentro do sistema carcerário. A principal<br />
consequência foi a de que não foi mandado para a penitenciária em si,<br />
mas para o hospital de custódia. No hospital de custódia, passou seis<br />
anos de sua pena, o que evitou grande parte dos problemas relacionados<br />
ao estupro da esposa de um dos agentes que trabalham na penitenciária.<br />
O que finalmente o retirou do hospital de custódia foi,<br />
novamente, um ato de violência, descrito pelo sujeito:<br />
20 Nome modificado.<br />
157<br />
Aí eu tava trabalhando ali de boa, chegou ali um<br />
médico da casa, me chamou e sentei na frente<br />
dele assim, aí ele assim: “tu tás com problema no<br />
pinto, não sei o quê”. Disse: “não, só uma<br />
alergia”. “Pode se levantar?”. Aí eu levantei, ele<br />
apertou meu pulso. Apertou minha barriga, pegou<br />
no meu pinto e quis batê uma punheta pra mim.<br />
Doutor Mário 20 . Aí eu bem assim: “ô, o que tu tás