UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
190<br />
no que vai fazer. Tem atitude no que vai fazer. Não, não vou roubar,<br />
vou trabalhar. Tem família, vou casar ou vou construir alguma coisa da<br />
minha vida pra mim. Esse é o homem”. Quando perguntado se acha que<br />
atingiu esses preceitos, responde: “eu quis conquistar tudo, né? Quis<br />
trabalhar, trabalhei, né? Sempre trabalhei. Tava adquirindo minhas<br />
coisa. Casar, ter filho. Comprar uma casa, essas coisa, assim”.<br />
Diferente de outros homens que consideram que o estupro alterou<br />
inexoravelmente sua masculinidade, Carlos parece não adicionar esse<br />
fator para sua equação. O trabalho, seus projetos da fábrica, seus filhos e<br />
esposa (além de outra mulher com quem teve uma filha) são aspectos<br />
que o sujeito ressalta. Sua vida na criminalidade – que começou cedo – é<br />
antitética à valorização do trabalho e da família que expõe neste<br />
momento da entrevista. Acaba por utilizar estes valores bem-vistos<br />
socialmente como forma de subsumir tanto a criminalidade durante a<br />
juventude quanto a prática do roubo e do estupro.<br />
A visão de Carlos sobre outros presos que também cometeram<br />
estupros fornece um lampejo de como entende os outros homens que se<br />
encontram em sua ala. Questionado se acha existir algum tipo de perfil<br />
que consegue delimitar, fala:<br />
Ah, não, tem cara mesmo que comete por prazer<br />
mesmo, que gosta mesmo de fazer. Quer conhecer<br />
vergonha mesmo do negócio aí. [...] Pelo que eu vi,<br />
assim, o cara puxou estrupo aqui, foi pra rua,<br />
cometeu o crime de novo. Conheci um lá na pública<br />
que cometeu dois estrupo; saiu, cometeu mais<br />
cinco, seis. Um moreninho que caiu ali em<br />
Barreiros, ali no Estreito, ali. Caiu de novo, tá lá<br />
na pública. Caiu, tem que enfrentar. Tá preso de<br />
novo. Então, esses cara, eu acho que eles... é<br />
vontade deles, é vontade, sei lá, deve ter vontade de<br />
fazer isso aí. Deve sentir alguma coisa, né, pra<br />
fazer isso aí.<br />
Após essa resposta, simplesmente se esquiva da pergunta sobre<br />
sua vontade no crime que cometeu. Concluindo, Carlos parece estar<br />
alojado de maneira muito diferenciada daquela encontrada em Quiron.<br />
Esta polarização parece seguir exatamente as teorias de Costa (1984) e<br />
de outros autores que trabalham a violência encontrada no cotidiano<br />
brasileiro (Faiman, 2005; Hartmann, 2005): um irracional, mas um<br />
irracional que é possível de compreender, mesmo que de difícil<br />
simbolização. Ressalta-se que este caso é emblemático no sentido de