UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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contrato simbólico que se dá pela linguagem. Assim, os homens<br />
acordariam com as mulheres um lugar no logos, dizendo com isso que<br />
as mulheres podem ser faladas, discursadas, interlocutadas pelas<br />
palavras de outros sem que se permita às mulheres uma voz própria.<br />
Este é o sentido da teorização do falogocentrismo, no sentido de se<br />
erigir um amo da linguagem, em símbolo universal, a metáfora maior no<br />
poder de olhar e significar (ibid., p. 57). O que esta teorização traz de<br />
interessante para a análise do caso Quiron é que, na penitenciária, o que<br />
acontece é que o sujeito fica exatamente desprovido desta lógica<br />
sexual/social. Seu discurso não tem mais o valor de performativo,<br />
exceto para os fatos passados, para aquilo que conta. Neste sentido,<br />
existe uma inversão da lógica fálica que regia a vida anterior do sujeito,<br />
que se via como aquele que tinha o direito de usufruir do corpo de<br />
outrem sem qualquer sanção. O que acontece na penitenciária é que o<br />
masculino não mais tem o logos como parte de seu repertório, e isso de<br />
alguma forma modifica o que este sujeito enuncia ao longo da<br />
entrevista, demonstrando, ao seu final, como as consequências de tudo<br />
que fez o afetaram. Perguntado se existe a possibilidade de novamente<br />
cometer estupros ao sair da penitenciária, Quiron fala: “espero que não,<br />
espero que não. Não, já basta a lição que eu ganhei na vida, né?”. E,<br />
quando perguntado sobre o que sente quando pensa nas coisas que fez,<br />
relata:<br />
(...) me sinto culpado. Por isso que eu quero<br />
pagar o que eu devo. Eu achava que devia pegar<br />
mais cadeia, né? Mas eles, o máximo que eles me<br />
dão é 30 ano. Por isso que, quando o negão caiu,<br />
eu não fiquei muito feliz, não, porque, caiu<br />
hediondo, caiu muita cadeia, né? Se hediondo não<br />
tivesse caído, eu tinha puxado 30 ano, e 30 ano é<br />
uma vida dentro da cadeia. E... e tu não ia voltar<br />
por um bom tempo. Sem visita, ainda, sem nada;<br />
não tem como usar droga, não tem nada.<br />
O trecho acima é contraditório, mas várias vezes o sujeito<br />
repete a mesma frase durante a entrevista, e o valor da repetição não<br />
pode ser ignorado, principalmente quando tratamos da teoria<br />
psicanalítica. Seu valor é fundamental em demonstrar onde a demanda<br />
se constitui no discurso do sujeito. Como apontado anteriormente, a<br />
político se amplia de sua concepção inicialmente familiar ou comunitária e cristaliza o<br />
poder de decisão e a autoridade dos homens relegando as mulheres à submissão.