UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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compreender quais avanços são possíveis no processo de entendimento<br />
jurídico e psíquico que atravessa estes códigos. Afinal, a realidade física<br />
do estupro continua a mesma desde a antiguidade até a<br />
contemporaneidade: a penetração ou usufruto do corpo de outrem sem<br />
seu consentimento. O que se modifica ao longo do tempo e do espaço<br />
são os entendimentos, definições, conceituações, percepções e leis<br />
concernentes ao estupro (Smith, 2004). Este trabalho visou exatamente a<br />
uma compreensão mais acurada de como estas leis assujeitam e<br />
imbricam os sujeitos por elas julgados, assim como uma compreensão<br />
de como estes sujeitos se enlaçam com estas leis e seus efeitos<br />
psíquicos. Neste sentido, é possível dizer que este trabalho logrou<br />
alguns de seus objetivos, visto que as descrições detalhadas dos<br />
discursos dos sujeitos abrem a possibilidade desta compreensão.<br />
É difícil definir um fio condutor entre todos os casos<br />
apresentados neste trabalho. Entretanto, é possível afirmar algumas<br />
coisas sobre os aspectos teóricos e metodológicos que foram<br />
experimentados ao longo desta dissertação.<br />
Um dos objetivos, desde a concepção deste trabalho, era<br />
demonstrar as possibilidades de um diálogo entre psicanálise e<br />
feminismos pós-estruturalistas – e é possível dizer que houve um<br />
desenvolvimento satisfatório neste sentido. Os entrecruzamentos<br />
teóricos entre enunciação e performatividade encontrados se mostram<br />
como poderosas ferramentas de análise e complementam-se na medida<br />
em que lançam miradas diferenciadas para as enunciações produzidas<br />
pelos sujeitos entrevistados.<br />
Ademais, as leis claramente não se mantêm estáticas ao longo<br />
dos anos; sofreram muitas alterações desde os exemplos da antiguidade<br />
supracitados. Recentemente no Brasil, com a queda do Artigo 214, que<br />
versava sobre o atentado violento ao pudor, o país se junta a vários<br />
outros que consideram o estupro possível de ser realizado contra<br />
qualquer pessoa, sem diferenciações por sexo, gênero ou mesmo idade.<br />
Inclusive a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, também<br />
altera estes mesmos crimes ao reconhecer a violência (de qualquer tipo,<br />
incluindo a sexual) como possível de acontecer dentro do ambiente<br />
doméstico, por um marido ou qualquer relação afetiva e familiar. Isto<br />
significa que o estupro é movido de um crime contra os costumes,<br />
contra a propriedade de um homem, para finalmente ser reconhecido<br />
como um crime contra a vítima. Estas alterações carregam grandes<br />
consequências e finalmente retiram algumas das possibilidades de<br />
revitimização a que as pessoas que sofrem um estupro estavam<br />
previamente sujeitas.