UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Falar que existe uma matriz de relações de gênero que institui e<br />
sustenta o sujeito não é dizer que existe uma matriz que age de uma<br />
maneira singular e determinística para produzir o sujeito como seu<br />
efeito. A construção não pode ser apenas colocada na forma de “o<br />
discurso constrói o sujeito” – essa é uma reversão simples que não<br />
auxilia o entendimento do caráter complexo da construção. Se mantido<br />
assim, o construtivismo é reduzido a determinismo e implica a<br />
evacuação ou deslocamento da agência humana. Construção não é um<br />
sujeito nem seu ato, mas um processo de reiteração pelo qual tanto<br />
“sujeitos” quanto “atos” vêm a aparecer. Não há um poder que age,<br />
apenas uma ação reiterante que é poder em sua persistência e<br />
instabilidade (Butler, 1993).<br />
Sustento também que existe a possibilidade de pensar este<br />
sujeito como o sujeito barrado de Lacan, pois existe uma congruência ou<br />
paralelo entre o sujeito que é atravessado pelo poder e aquele que é<br />
atravessado pelo inconsciente, de maneira que pretendo tomá-los, dadas<br />
as devidas atenções conceituais e epistemológicas, no escopo deste<br />
trabalho como sendo compatíveis e aproximáveis para efeitos de uma<br />
análise complexificada e interdisciplinar.<br />
Butler (2003) passa seu olhar sobre as formas de<br />
“assujeitamento”, pensando-as através de Foucault. Na medida em que<br />
“os sistemas jurídicos de poder produzem os sujeitos que<br />
subsequentemente passam a representar” (ibidem, p. 18), essa dupla<br />
ação da produção do sujeito é exatamente o que institui a linguagem<br />
legal como o locus primário da representação, e, portanto, fica claro<br />
como o próprio “sujeito” do feminismo é discursivamente construído<br />
dentro desta lógica. Esta tese, porém, apresenta alguns problemas de<br />
ordem prática, pois<br />
(...) a construção política do sujeito procede<br />
vinculada a certos objetivos de legitimação e de<br />
exclusão, e essas operações políticas são<br />
efetivamente ocultas e naturalizadas por uma<br />
análise política que toma as estruturas jurídicas<br />
como seu fundamento (Butler, 2003, p. 19).<br />
O sujeito do feminismo, então, seria oprimido pela própria<br />
estrutura a partir da qual busca emancipação. Essa concepção de sujeito<br />
parece basear-se fortemente numa possibilidade ontológica a priori via<br />
Estado liberal, o que gera ainda outros atritos com a teoria feminista.<br />
Porém, além desta dimensão, o termo “mulheres” ainda implica uma<br />
identidade comum, postulado que tem sido criticado principalmente pelo<br />
33