UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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que isso nada tem a ver com a constituição discursiva; porém, ao criar<br />
uma realidade discursiva, torna real e atualiza aquilo de que fala.<br />
O enunciado está ligado praticamente ao frasal, aos movimentos<br />
próprios da língua falada. Já a enunciação tem um caráter mais<br />
complexo, principalmente por sua característica de inconsciente e<br />
instituinte. No momento em que o sujeito pensa a frase e a fala, produzse<br />
um diferencial. O ato da enunciação em si é produtor; em um possível<br />
sentido, é performativo. Ao dizer, o sujeito se faz e se estabelece na<br />
economia significante.<br />
Este sujeito, comumente criticado por ser pensado como sujeito<br />
desaparecido, na realidade tem uma função muito bem situada como<br />
produtor da cultura na qual se encontra, assim como autor da enunciação<br />
– mesmo que muitas vezes seja cortado pela barra lacaniana, o que torna<br />
a enunciação um ato de saber insabido –, que tem como efeito a<br />
produção discursiva. Esta é uma produção inegavelmente positivada,<br />
visto que, em análise, ela produz a interpretação e posterior queda do<br />
analista a resto; na política, ela institui tudo que conhecemos como<br />
disputas e mal-entendidos; e, no discurso comum, produz a fala vazia de<br />
Lacan (que nem pelo nome significa que seja completamente esvaziada<br />
de sentido; esta só é vazia no que concerne ao sujeito do gozo e do<br />
inconsciente).<br />
Neste caso, existe uma oposição entre o sujeito do enunciado e<br />
o sujeito da enunciação, de certa maneira espelhando a oposição que se<br />
evidencia no interior do sujeito barrado. O sujeito, sendo entendido<br />
como advindo da linguagem (ou ao menos da hiância da corrente<br />
significante), torna óbvio que, no próprio ato da produção do<br />
significante na fala, advenha o sujeito como enunciação (Dor, 1989).<br />
Tão logo isso acontece, entra em cena o Vorstellungrepresentanz<br />
freudiano ou o representante da representação, maneira que Freud usou<br />
para conceituar a necessária quebra entre o cogito cartesiano e o sujeito<br />
do inconsciente. Esta impossibilidade do sujeito de demonstrar a<br />
representação pura acaba por assinalar que existe uma barreira onde o<br />
sujeito se perde na verdade de seu ser.<br />
Esta divisão já estava anunciada na obra de Freud, ficando clara<br />
principalmente no tocante à pulsão (nesta passagem erroneamente<br />
traduzida como “instinto”, do original Trieb), que coloca para o sujeito<br />
do inconsciente a impossibilidade do acesso à pulsão pura:<br />
Um instinto [pulsão] jamais pode tornar-se um<br />
objeto da consciência - somente a idéia<br />
[Vorstellung] que representa o instinto é que pode.