UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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não admitia esse tipo de coisa, então já tava meio<br />
nervoso, eu acabei batendo nela, e...<br />
Os resultados dessa violência perpetrada contra sua filha, em<br />
suas próprias palavras: “quase matei ela, e aí foram me acusar que eu<br />
tinha estuprado ela. Coisa nenhuma. Eu tenho cinco filha mulher; se<br />
fosse pra fazer com uma, tinha que fazer com todas”. Este trecho não é<br />
apenas interessante pelo argumento apresentado, mas principalmente<br />
pelo fato de haver uma acusação posterior de estupro realizada por outra<br />
filha de Esaú – o que quebra o seu argumento e corrobora outros fatos<br />
adjacentes.<br />
Um destes fatos adjacentes que a literatura aponta é que em<br />
geral os homens acusados legitimamente de estupro têm suas relações<br />
com suas famílias severamente afetadas (Scully, 1990, p. 72), fato que é<br />
correlato ao que acontece com Esaú, visto que sua família não mantém<br />
nenhum contato ou visitas. Esaú fala que isso se dá por conta da severa<br />
agressão que cometeu contra sua filha, o que resultou em “raiva” de sua<br />
família contra ele. Não só sua família toma este posicionamento, mas o<br />
próprio Esaú também afirma: “ih, pra mim morrero tudo, pra mim não<br />
existe mais nada, família minha não era mais. Papel desse jeito pra mim<br />
assim, na nossa família, já era. Pra mim não existe mais”. Mesmo<br />
falando de “nossa” família, indicando um pertencimento, afirma sua<br />
total exclusão dessa mesma unidade.<br />
Outra questão que aparece várias vezes durante a entrevista é a<br />
rigidez atribuída às funções sociais de gênero presentes no discurso de<br />
Esaú. Isso é informado principalmente pelo conceito do que é o “certo”<br />
de que fala Esaú. Este conceito que o mesmo utiliza tem um fundo<br />
intrinsecamente sexista, não apenas pelo fato de considerar, em certo<br />
ponto de sua vida, 32 mulheres como sua propriedade, mas considera o<br />
que sua filha fez ao ter um envolvimento afetivo-sexual com um homem<br />
casado uma ofensa à sua educação e aos seus costumes (Scully, 1990, p.<br />
78).<br />
Esaú fala pouco sobre a segunda acusação, o estupro de uma de<br />
suas filhas mais velhas, que lhe foi imputada quando já estava<br />
encarcerado: “daí, esse outro aí, foi outro que veio agora. [...] A outra<br />
me botou esse BO de coisa aí, sem mais, sem menos, não tem a ver uma<br />
coisa com a outra. Jamais fiz uma coisa dessa aí”. Esta passagem traz<br />
um detalhe importante: o fato de Esaú não falar a palavra estupro. Em<br />
outras falas suas, ele também evita a denominação do crime do qual foi<br />
acusado. É um detalhe, mas parece indicar como o estupro é tão<br />
mitificado, mesmo entre os sujeitos marcados pelo crime, que a pura