12.05.2013 Views

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

116<br />

não admitia esse tipo de coisa, então já tava meio<br />

nervoso, eu acabei batendo nela, e...<br />

Os resultados dessa violência perpetrada contra sua filha, em<br />

suas próprias palavras: “quase matei ela, e aí foram me acusar que eu<br />

tinha estuprado ela. Coisa nenhuma. Eu tenho cinco filha mulher; se<br />

fosse pra fazer com uma, tinha que fazer com todas”. Este trecho não é<br />

apenas interessante pelo argumento apresentado, mas principalmente<br />

pelo fato de haver uma acusação posterior de estupro realizada por outra<br />

filha de Esaú – o que quebra o seu argumento e corrobora outros fatos<br />

adjacentes.<br />

Um destes fatos adjacentes que a literatura aponta é que em<br />

geral os homens acusados legitimamente de estupro têm suas relações<br />

com suas famílias severamente afetadas (Scully, 1990, p. 72), fato que é<br />

correlato ao que acontece com Esaú, visto que sua família não mantém<br />

nenhum contato ou visitas. Esaú fala que isso se dá por conta da severa<br />

agressão que cometeu contra sua filha, o que resultou em “raiva” de sua<br />

família contra ele. Não só sua família toma este posicionamento, mas o<br />

próprio Esaú também afirma: “ih, pra mim morrero tudo, pra mim não<br />

existe mais nada, família minha não era mais. Papel desse jeito pra mim<br />

assim, na nossa família, já era. Pra mim não existe mais”. Mesmo<br />

falando de “nossa” família, indicando um pertencimento, afirma sua<br />

total exclusão dessa mesma unidade.<br />

Outra questão que aparece várias vezes durante a entrevista é a<br />

rigidez atribuída às funções sociais de gênero presentes no discurso de<br />

Esaú. Isso é informado principalmente pelo conceito do que é o “certo”<br />

de que fala Esaú. Este conceito que o mesmo utiliza tem um fundo<br />

intrinsecamente sexista, não apenas pelo fato de considerar, em certo<br />

ponto de sua vida, 32 mulheres como sua propriedade, mas considera o<br />

que sua filha fez ao ter um envolvimento afetivo-sexual com um homem<br />

casado uma ofensa à sua educação e aos seus costumes (Scully, 1990, p.<br />

78).<br />

Esaú fala pouco sobre a segunda acusação, o estupro de uma de<br />

suas filhas mais velhas, que lhe foi imputada quando já estava<br />

encarcerado: “daí, esse outro aí, foi outro que veio agora. [...] A outra<br />

me botou esse BO de coisa aí, sem mais, sem menos, não tem a ver uma<br />

coisa com a outra. Jamais fiz uma coisa dessa aí”. Esta passagem traz<br />

um detalhe importante: o fato de Esaú não falar a palavra estupro. Em<br />

outras falas suas, ele também evita a denominação do crime do qual foi<br />

acusado. É um detalhe, mas parece indicar como o estupro é tão<br />

mitificado, mesmo entre os sujeitos marcados pelo crime, que a pura

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!