UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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castração. Provocando esta lei, ele desafia a<br />
imposição que exige que a lei de seu desejo seja<br />
submetida à lei do desejo do outro. Daí porque o<br />
seu desejo é tão imperativo. É que a única lei do<br />
desejo que ele reconhece é a sua. O seu desejo não<br />
passa pela lei do desejo do outro. Sua lei é a lei do<br />
gozo, que ordena buscar o gozo por todos os<br />
meios, sem se deixar deter por nenhum limite,<br />
particularmente por nenhuma lei.<br />
Descrevendo o mesmo crime, Quiron repete o que já havia dito<br />
antes, mas comete um pequeno ato falho: “só por ela ter me ameaçado<br />
de contar pro marido dela que é agente – não gosto de agente, né? –,<br />
matei ela. Peguei a pedra (...)”. Aqui se revela seu desejo de matá-la. A<br />
hipótese de Freud de que o inconsciente é atemporal (Braga, 1998)<br />
informa que mesmo a posteriori, o desejo sempre é conjugado no<br />
presente, refletindo o erro do sujeito na enunciação, independente do<br />
fato de o mesmo saber que a vítima sobreviveu.<br />
Na tentativa de compreender quais eram os motivos que<br />
levavam os sujeitos entrevistados a cometer crimes sexuais, uma série<br />
de perguntas da entrevista visava ao ato do estupro em si. Entre elas,<br />
encontravam-se algumas que almejavam compreender a escolha das<br />
vítimas. Constatada a diferença entre o estupro de uma desconhecida e o<br />
de uma pessoa com quem o sujeito manteve um relacionamento de<br />
meses, abre-se a necessidade de compreender se estes estupros foram<br />
qualitativamente diferentes: “não... normal, pra mim foi normal. [...]<br />
Normal como se fosse transar com qualquer mulher, conhecia várias<br />
mulher na rua”. Quando relata o que sente durante o estupro que<br />
cometeu, o sujeito fala como se fosse apenas um ato sexual comum,<br />
como se não houvesse diferenciação. Porém, em outros pontos da<br />
mesma entrevista, afirma que não conseguia atingir o orgasmo nestas<br />
situações. A diferenciação em relação ao estupro da menina de rua,<br />
sobre o qual fala que, em alguns momentos, parava, pensava, e quando<br />
“coisas ruim aconteceu”, é clara, assim como também acontece no<br />
último estupro que cometeu, comentado adiante.<br />
O desenvolvimento contemporâneo de estudos voltados<br />
diretamente para o campo das agressões sexuais no contexto anglosaxão<br />
deve também ser considerado, visto que estes costumam trabalhar<br />
com pesquisas alicerçadas em correntes experimentais e compreendem<br />
de maneira diferente a articulação do sujeito com a transgressão e as<br />
ideias que a suportam. A diferença de método não produz grande