UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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(...) queria ter um filho, né? Todos os meus irmão<br />
têm filho, só eu que não tinha. E eu queria tanto...<br />
muito ter um filho, e eu gosto de mulher... Aí, ô,<br />
quando ela engravidou eu fiquei feliz da vida,<br />
parei com o tráfico, parei de fumar maconha. Eu<br />
fiquei um ano sem usar droga. Fiquei um ano<br />
todo; eu não usava não, não fumava cigarro,<br />
nada. Tinha parado, tava trabalhando, tava<br />
trabalhando no Ceasa, tava me ralando a<br />
trabalhar mesmo. Tava pagando aluguel. Pra<br />
mim valia a pena, pra mim todo dia eu chegava<br />
feliz em casa. Só que a barriga dela não crescia,<br />
eu fiquei meio estranho. Cheguei: “pô, eu tô há<br />
quase um ano com essa guria, 7 mês que eu tô<br />
com ela, que ela tá grávida, e ela não cresce”. Aí<br />
fui na casa da mãe dela, a mãe dela acabou<br />
contando: “ah, ela tirou o filho, optou porque tu<br />
só fuma maconha”.<br />
Este aborto realizado por sua companheira pode-se dizer que é o<br />
ponto onde o controle que Quiron vinha exibindo começa a se perder. A<br />
relação entre criança e falo e sua importância para a maneira como<br />
Quiron se constitui como sujeito devem também ser apontadas neste<br />
momento:<br />
Na perversão, porque ela está inscrita no<br />
simbólico, como também na neurose [...], o sujeito<br />
tem que suar a camisa para mantê-la afastada, e<br />
precisa organizar toda sua vida em função disso,<br />
criar condições para desmenti-la, mantê-la<br />
distante de qualquer influência em sua vida<br />
psíquica, articular formas para não ver, não se<br />
deparar com a ausência do falo no Outro; o que<br />
determinará a perda da realidade na perversão<br />
(diferentemente da perda da realidade na neurose<br />
e na psicose [...]) (Alberti, 2005, p. 351-352).<br />
Cabe perguntar se, no caso de Quiron, o Outro seria relacionado<br />
com o falo através da desejada criança e se, com a perda desta, se<br />
perderia também a capacidade de estar na realidade. O falo, finalmente<br />
encarnado, é-lhe retirado, refazendo o mesmo percurso repetido ad<br />
infinitum pelo sujeito.<br />
A resposta de Quiron ao aborto parece sugerir que o efeito<br />
dessa decisão foi devastador, e responde à altura: “daí cheguei em casa,