UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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impede, de maneira categórica, uma tentativa de utilizar o argumento de<br />
classe social (seja esta qual for) para que se determinem as origens<br />
estruturais de um sujeito que cometa crimes. É um alerta, portanto, para<br />
generalizações – alerta que é aqui aceito, sendo os casos deste trabalho<br />
todos analisados separadamente e sem categorizações fixas.<br />
A linguagem parece tomar uma forma dupla em Lacan,<br />
primeiramente como via régia do significante ou um “sistema<br />
significante” (que aí pode ser entendida como equivalente à língua), e<br />
também como “sistema de discurso” ou a fala, que, portanto, também é<br />
sistema (Arrivé, 2000, p. 18).<br />
A fala em Lacan se divide em dois objetos distintos: o primeiro<br />
deles, a “fala plena”, também chamada de “fala verídica”, “fala<br />
verdadeira” ou “fala fundamental”; e, de outro lado, a “fala vazia”, que é<br />
por vezes, mas nem sempre, assimilada ao discurso, e eventualmente nas<br />
teorizações passa ao “discurso corrente”. A diferenciação máxima entre<br />
estes dois subtipos da fala se encontra em um fator fundamental: a “fala<br />
plena” é ato (Arrivé, 2000, p. 20).<br />
A fala plena, portanto, tem um caráter constitutivo, não só do e<br />
para o sujeito, mas também nas relações intersubjetivas; ela estabelece<br />
também o reconhecimento de um pelo outro. A fala plena é fala que faz<br />
ato, então um sujeito, após enunciá-la, vê-se como outro que não era<br />
antes. Lacan afirma que “a palavra é essa dimensão por onde o desejo do<br />
sujeito é autenticamente integrado no plano simbólico” (Lacan, 1998<br />
[1953], p. 212), atrelando, assim, o simbólico à fala, enovelado no<br />
desejo. Visto que as estruturas inconscientes costumam tomar o<br />
caminho da fala independente da vontade consciente do sujeito,<br />
podemos afirmar que aí também aparece o desejo. E, envolta nesta rede,<br />
encontra-se a fala plena, plena de verdade, mesmo que seja apenas a<br />
verdade do sujeito, e não a verdade dos fatos, afinal essa é<br />
irremediavelmente perdida em nossa relação com o Real.<br />
Esta relação proporcionada pela fala plena, ao se dar entre<br />
sujeitos, é conjugada por Michel Arrivé (2000, p. 21) em suas diferenças<br />
com a linguística como:<br />
(...) nos dois campos a fala institui uma relação<br />
entre os sujeitos. As diferenças se encontram na<br />
natureza dessa relação. Para o analista, a fala é<br />
ato. Aqui, por certo, o lingüista prestaria atenção:<br />
ele conhece bem, sob o nome de enunciados<br />
performativos, fatos de fala que também<br />
constituem atos. Mas vê-se imediatamente o