UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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Durante uma de suas mudanças de local onde armava sua<br />
barraca e residia, passa pela criança, que lhe pede uma carona: “essa<br />
devia ter uns 10 ano. [...] Bem criança. Essa eu não... cruzei, ela disse:<br />
‘ô, moço, dá uma carona pra mim? Tá indo pra lá?’. Eu disse: ‘não,<br />
dou’. Aí dei uma carona, aí ela bem assim: ‘pra onde tá indo?’. Aí eu:<br />
‘ah, não, tô indo pra casa, ali, depois te levo pra casa’. Aí levei pro<br />
mato, estuprei”. Questionado se houve mais alguma conversa ou se teve<br />
de utilizar coerção para levá-la para o mato, responde: “o terceiro foi<br />
no... só que eu não matei. [...] Eu só estuprei, deixei no meio do mato.<br />
Falei: ‘ó, pega essa rua aqui que tu sai do lado do colégio’. Era lá na<br />
Pedra da Júlia. Ela foi”. A descrição deste estupro é a mais dificultosa<br />
para o sujeito. São necessários três retornos para o assunto até que ele dê<br />
mais detalhes sobre como tudo transcorreu. Evidentemente, o diferencial<br />
aqui é que não existe nem a tentativa de assassinato que ocorre nos<br />
outros casos e nem a utilização de violência cruenta (Segato, 1999) além<br />
da violência sexual. Outro aspecto que difere das outras situações<br />
impostas é o fato de o sujeito se refrear durante o estupro e parar o<br />
estupro: “não. Só estuprei, daí coisa; quando estourei o cabaço dela,<br />
começou a me sujar muito o sangue, daí eu assim: ‘não, não quero<br />
mais, não, vai-te embora’. Aí ela foi prum lado chorando, e eu fui pro<br />
outro lado, né?”. Estas enunciações do sujeito indicam que uma<br />
mudança se estava passando. Com efeito, o sujeito, pela primeira vez,<br />
consegue controlar o seu desejo e, mesmo que de maneira muito ínfima,<br />
mesmo que apenas pelo sangue de sua vítima, consegue identificar-se<br />
com aquela criança. Esta identificação fica clara nos efeitos que o<br />
sangue e a perda da virgindade de sua vítima tiveram:<br />
Só estourei o cabaço dela e fui embora, foi rápido<br />
assim. Sujou de sangue, e eu não quis mais. [...]<br />
Me senti mal, aí comecei a ficar meio assim. Aí,<br />
de vez em quando comecei a ligar pra polícia. E<br />
disse assim: “ó, tem um cara de bicicleta, que tá<br />
assim, assim e assim, que tá estrupando umas<br />
guria na área...”. E eu sempre passava por frente<br />
da delegacia pra ver se eles se tocavam que era<br />
eu, mas...<br />
Neste momento também, as tentativas do sujeito de invocar um<br />
barramento pela via do social e do judicial se exacerbam, culminando<br />
com atitudes cada vez mais transgressoras mas também cada vez mais se