UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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demonstrar como, na neurose, também podemos encontrar sujeitos que<br />
praticam crimes tão vis quanto aqueles atribuídos aos perversos. Lia<br />
Zanotta Machado (2004, p. 44) cita o discurso de um sujeito<br />
entrevistado em sua pesquisa com homens apenados por crimes sexuais<br />
que é correlato ao que é encontrado no discurso de Carlos:<br />
Diante da persistência da entrevistadora em<br />
perguntar por que, afinal, depois de tentarem<br />
roubar, quiseram violentar, um entrevistado<br />
responde: É o seguinte, queremos é o crime<br />
mesmo, e sentiu moral da vida do crime, de usar o<br />
crime mesmo, entendeu? Ele (projetivamente fala<br />
de um outro agressor e não dele mesmo) mata,<br />
estupra e rouba, ele, se sentiu foi isso, o bandidão<br />
na malandragem dele, foi isso.<br />
A “empolgacera” que Carlos sustenta como motivo para o<br />
crime no início da entrevista se encontra completamente ligada à<br />
criminalidade como fonte de prazer, a um sentimento de poder sobre o<br />
outro e sobre as regras da sociedade. A transgressão da Lei também<br />
aparece, mesmo que em menor escala do que em Quiron, que repete isso<br />
ad infinitum. Talvez aqui resida a explicação de sua trajetória no crime<br />
desde a infância até o estupro que o coloca na penitenciária: a<br />
“empolgacera” atribuída ao álcool e à festa levada ao extremo; ao prazer<br />
a despeito do outro; à feitura do outro como simples objeto a ser tomado<br />
como sem vontade, sem desejo e sem humanidade. Pode não haver a<br />
perversão como centro definidor do sujeito, mas existem traços<br />
perversos (Machado, 2004). Assim, sem identificação alguma, torna-se<br />
possível narcisisticamente se encastelar e tomar apenas aquilo que é<br />
próprio como passível de qualquer atenção. Pensando radicalmente,<br />
qualquer sujeito pode estuprar; o que se altera são as interposições (da<br />
Lei, do o(O)utro, da identificação, da pulsão, etc.) que se apresentam e o<br />
que cada performatividade abre como opção. A performatividade é<br />
falada aqui porque resguarda um traço de prevalência, de constituição,<br />
de modo que, mesmo alterada pelo tempo, mantém uma marca unária<br />
suficiente para que o sujeito ainda se reconheça. E é o que Carlos logra.<br />
Mesmo com sofrimento e dificuldade de compreender o que se passou,<br />
ele se mantém semiaquém da angústia do que cometeu e luta com todas<br />
as forças (conscientes e inconscientes) para evitar que este precário<br />
arranjo se desfaça.