UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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Uma das consequências imprevistas para estas alterações<br />
legislativas – as quais, devo deixar claro, considero extremamente<br />
importantes e benéficas – que vêm ocorrendo ao longo dos últimos anos<br />
é a modificação da escuta da vítima no processo, o que, por si só, é<br />
também bem-vinda. Mas esta escuta da vítima tem como consequência<br />
que se prescinda da escuta do homem acusado do crime, fato relatado<br />
por todos os sujeitos entrevistados, exceto um.<br />
Portanto, produz-se uma enorme diferença entre o peso do<br />
discurso da mulher na sociedade – em geral visto como desapropriado<br />
de poder – e o peso que se dá ao mesmo discurso quando é deslocado ao<br />
lugar da vítima de um crime sexual. Em todos os processos aos quais<br />
houve acesso ao longo da pesquisa (incluindo os processos de sujeitos<br />
que não foram entrevistados ou que se recusaram a participar da<br />
pesquisa), sempre aparecem citações de decisões judiciais, tão<br />
onipresentes que sua regularidade faz com que seja necessária sua<br />
reprodução e rápida discussão neste momento: “o atentado violento ao<br />
pudor não é crime que necessariamente deixa vestígios... [...] podendo<br />
ser comprovado por qualquer elemento probatório, com relevância para<br />
a palavra da vítima, prescindindo-se do exame pericial” (Mirabete,<br />
2003, p. 1550).<br />
O que se diz após o uso desta citação é que, em casos de<br />
pedofilia, atentado violento ao pudor e estupro, o juiz deve sempre dar o<br />
maior peso para a palavra da vítima, independente do que o acusado<br />
fala. Isso cria não só um paradoxo, mas dois. O primeiro é a mudança<br />
radical da percepção social sobre o discurso feminilizado, que<br />
aparentemente, a partir de um crime, ganha um poder que antes não<br />
residia ali, enquanto o segundo é a negação radical a qualquer defesa<br />
possível do sujeito acusado, o que abre as portas para as repetidas cenas<br />
de destituição de poder e de liberdade que são relatadas pelos sujeitos<br />
sem que exista uma plena defesa ou uma mínima escuta da sua versão<br />
para os fatos.<br />
Porém, não apenas esses dois ilustres paradoxos são produzidos.<br />
Os efeitos não são apenas simbólicos, mas bastante presentes na<br />
realidade. A realidade destes homens em que fatores apontam para uma<br />
inocência do crime sexual (como relatado pelos próprios psicólogos que<br />
trabalham na penitenciária, as visitas da família ou, em alguns casos,<br />
inclusive da pessoa que figurou como vítima no processo, evidências<br />
que não foram recolhidas pelas autoridades competentes, processos<br />
julgados sem o depoimento dos réus, entre outros) é completamente<br />
alterada – e, ao que tudo indica, alterada sem que se abra a possibilidade