UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA ... - CFH - UFSC
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O uso do poder do Estado desta maneira é ressaltado por Hanna<br />
Arendt (1994) em seu escrito “Da Violência”. O poder do Estado de<br />
interceder na vida dos sujeitos e de aprisioná-los é tido como fato<br />
comum de nossa sociedade. No entanto, chamar este aspecto de um<br />
poder e entendê-lo como naturalizado só é possível pela criação e<br />
manutenção deste poder a partir de certo momento da civilização<br />
ocidental. Portanto, deixamos – como sociedade – de considerar o<br />
aprisionamento como uma violência para considerá-lo como poder do<br />
Estado (voltado para a proteção da sociedade de um elemento<br />
discordante e/ou violento). O que acontece no caso de Tarso é que este<br />
poder do Estado é voltado contra um sujeito na forma de violência, a<br />
partir de uma acusação que não se sabe se é substanciada.<br />
O argumento de Arendt (ibid.) parece de uma clareza<br />
assombrosa ao analisarmos a situação vivida por Tarso, com exceção de<br />
que, neste último caso, os próprios sujeitos envolvidos, compreendendo<br />
a lógica interna que regula os espaços que habitam, utilizam-se da<br />
mesma para seus próprios fins, independente de qualquer atributo moral.<br />
Esta análise não se aplica apenas à utilização, por parte do inquilino de<br />
Tarso, de intervenção judicial e policial para tornar uma dívida extinta.<br />
Também se aplica à própria recusa de Tarso de falar sobre o crime. O<br />
sujeito não providencia indícios para que seja feita qualquer análise do<br />
ocorrido. Mesmo que as partes envolvidas em na entrevista não tenham<br />
ligação alguma com o judiciário, ainda assim a performatividade que<br />
aqui aparece é a de um exterior constitutivo de um discurso, o discurso<br />
do sujeito não culpabilizável.<br />
Essa recusa de produzir provas contra si mesmo é um direito<br />
garantido pela constituição brasileira (o inciso LXIII do art. 5˚ da<br />
Constituição Federal assegura o direito ao preso de permanecer calado),<br />
porém seu alcance vai além do judiciário. Toma também a dimensão de<br />
alicerçar a própria compreensão de sujeito de quem é atravessado pela<br />
lei. A reflexão sobre a interpelação Althusseriana, trabalhada por Judith<br />
Butler em seu texto Psychic Life of Power (1997), fornece uma boa<br />
maneira de compreender como a sujeição tropológica (que se volta<br />
sobre si mesma) se apresenta nesta reticência em produzir uma<br />
enunciação que implica necessariamente uma sujeição a um poder,<br />
criando, assim, uma inscrição psíquica que o implica como assujeitado<br />
ao poder do Estado e também culpabilizado, produzindo uma marca de<br />
assujeitamento que aparenta ser importante o suficiente para que o<br />
sujeito sempre a evite. Assim, a dificuldade de acessar as falas destes<br />
sujeitos aprisionados sobre o crime que (judicialmente) cometeram não<br />
é apenas a de acessar uma fala, uma vez que se mostra permanente a