Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
de voz macabro, confirman<strong>do</strong> minhas suspeitas.<br />
Tremi de cima a baixo. O lugar era demoníaco e com o “bicho”, em pessoa, eu não queria<br />
nada. Fazia coisas que eu sabia serem dele, mas nada de tratos pessoais.<br />
Saí dali o mais rápi<strong>do</strong> possível, mas a coisa foi comigo. Daquele dia em diante, comecei a<br />
sentir aquela presença insistentemente. Foi também na mesma ocasião que Curió foi morar com<br />
Dadá, conheci<strong>do</strong> como traficante de cocaína e adepto de macumba e bruxaria. Na casa <strong>do</strong> homem<br />
havia sempre despachos e muita cachaça consagrada aos espíritos. Ele vendia cocaína, fazia<br />
orgias e <strong>do</strong>rmia ali, naquela kitchenette. Zé <strong>do</strong>rmia num colchão posto ao pé da cama.<br />
Ali acontecia de tu<strong>do</strong>, e ninguém jamais imaginaria o nível das pessoas que freqüentavam o<br />
lugar: riquinhos, mulheres casadas, meninas de até 14 aninhos, velhas prostitutas e<br />
homossexuais enrusti<strong>do</strong>s. Zé Curió a<strong>do</strong>rava o lugar. Eu, entretanto, apesar de ter participa<strong>do</strong> de<br />
algumas orgias ali, sentia-me deprimi<strong>do</strong> e com a sensação de que estava na iminência de ser<br />
possuí<strong>do</strong> por algo muito maligno toda vez que entrava no “apê” <strong>do</strong> Dadá.<br />
Mas o cerco da morte estava apenas começan<strong>do</strong>. Um dia conheci uma menina na<br />
Universidade <strong>do</strong> Fundão, na Ilha <strong>do</strong> Governa<strong>do</strong>r. Neto tinha i<strong>do</strong> inscrever-se para o vestibular de<br />
sociologia e me levou junto, no Bugre dele, para dar um passeio e paquerar umas gatinhas.<br />
Quan<strong>do</strong> ele subiu as escadas para fazer a inscrição, eu vi uma menina de uns vinte anos sentada<br />
sozinha, perto das grandes colunas <strong>do</strong> prédio principal.<br />
Senti que era hora de caçar. Cheguei, pedi para sentar ao seu la<strong>do</strong> e disse que estava<br />
cansan<strong>do</strong> de fazer ginástica. Então, pedi licença para deitar a cabeça no seu colo. Ela ficou tão<br />
surpresa com minha ousadia, que deixou. Trinta minutos depois Neto voltou e já nos encontrou<br />
no meio de um beijo. Marquei de ir à casa dela naquela mesma noite.<br />
A mãe de Ana era uma psicóloga louca, cheia de maconha na cabeça, e estava de viagem para a<br />
Argentina. Ela e o irmão não tinham nenhuma razão para ser melhores que a mãe. Fui entran<strong>do</strong> e<br />
ela me levou imediatamente para o quarto. Só depois de alguns minutos de sexo é que fiquei<br />
saben<strong>do</strong> quem ela era.<br />
— Olha, eu não costumo fazer o que fiz com você. Mas é que nunca conheci um cara tão<br />
<strong>do</strong>i<strong>do</strong> e ousa<strong>do</strong> quanto você. Sou noiva de um membro <strong>do</strong>s The Fevers. Estamos briga<strong>do</strong>s, mas<br />
gosto dele — ela me disse com ar de profunda respeitabilidade.<br />
Fiquei com Ana uns três dias, viajan<strong>do</strong> pelas loucuras <strong>do</strong> prazer e da droga. Mas no fim<br />
aconselhei-a a voltar para o músico da famosa banda. Dias depois eu os encontrei na casa de<br />
Dadá, onde eles tinham i<strong>do</strong> comprar cocaína, e o rapaz me agradeceu o conselho que havia da<strong>do</strong> à<br />
sua menina.<br />
— O prazer foi to<strong>do</strong> meu. Disponha sempre — disse eu, cínico e grato.<br />
O problema é que Ana me dera o telefone de uma amiga dela, Mariana, que tinha uns áci<strong>do</strong>s<br />
alucinógenos chama<strong>do</strong>s de microfilme. A droga era trazida para ela to<strong>do</strong>s os meses por um<br />
americano. Liguei para a tal Mariana e fui encontrá-la. Ela era loira, usava óculos de intelectual,<br />
falava com classe e me disse que seu pai era o chefe da segurança de Copacabana.<br />
— Beleza, assim num tem sujeira — foi o que falei ante aquela informação.<br />
Coincidentemente, o americano também estava na cidade. Pegamos o gringo num hotel no<br />
Flamengo e fomos para o Arpoa<strong>do</strong>r tomar o tal <strong>do</strong> microfilme. Tomamos juntos. Em mim a onda<br />
não foi das maiores, mas o americano começou a babar e a falar coisas que eu não entendia. Meu<br />
inglês era quase nenhum naquele tempo. De repente, eu ouvi Mariana — que falava inglês<br />
fluentemente — começar a dizer:<br />
— Aleluia! Aleluia! O anticristo nasceu. Ele está vivo e vai governar este mun<strong>do</strong>.<br />
Senti o arrepio da morte passar pela minha coluna.<br />
— O que cê tá dizen<strong>do</strong>? — perguntei nervoso e assusta<strong>do</strong>.