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Borel <strong>do</strong> que qualquer outra autoridade <strong>do</strong> país. Tornara-se religião e esta<strong>do</strong> para o inconsciente<br />
coletivo. — Gente, vamos nos reunir aqui nas proximidades da laje <strong>do</strong> lugar de “invocação de<br />
mortos” <strong>do</strong> Isaías, porque nós vamos desmanchar isso agora, em nome de Jesus Cristo — disse<br />
eu diante de um público perplexo.<br />
— O senhor tem certeza? — foi a pergunta assustada que ouvi de alguém atrás de mim.<br />
— O Isaías não vai ficar com raiva. Se ele se tornou cristão pra valer, ele vai aceitar o que nós<br />
vamos fazer. Além disso, a autoridade de Jesus é maior que a de Isaías. E eu sou ministro de<br />
Cristo. Vamos desfazer a consagração desse lugar aos espíritos e vamos dedicá-lo ao Espírito de<br />
Jesus — falei com autoridade.<br />
Cantamos hinos de vitória, que afirmavam a soberania de Cristo sobre to<strong>do</strong>s os principa<strong>do</strong>s e<br />
potestades espirituais, e fizemos uma oração intrépida.<br />
— Jesus, nós desfazemos to<strong>do</strong>s os vínculos desse lugar com forças negativas de<br />
espiritualidade e ligamos esse espaço a Ti. Tira daqui as forças da morte e <strong>do</strong> me<strong>do</strong>. Põe Tua luz<br />
aqui, Senhor Jesus — eu orei em companhia <strong>do</strong>s que ali estavam.<br />
Continuamos a viagem para o topo da montanha. No alto <strong>do</strong> Borel há uma fronteira. Quem<br />
mora <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de cá da linha nunca passa para o outro la<strong>do</strong> e vice-versa. Os traficantes <strong>do</strong> Borel<br />
vivem em pé de guerra com os da Chácara <strong>do</strong> Céu. Por isso, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> Borel parou a alguns<br />
poucos metros da linha imaginária.<br />
— O que foi gente? — perguntei.<br />
— Daqui a gente não passa — falaram.<br />
— Por quê? — insisti como quem não sabia de nada.<br />
— É que quem passou, morreu. A Chácara <strong>do</strong> Céu começa ali — disse-me uma garotinha de<br />
uns 11 anos, agarran<strong>do</strong>-se às minhas pernas e apontan<strong>do</strong> para um lugar no chão escuro a não<br />
mais que três metros adiante de nós.<br />
— Hoje pode. Nós estamos aqui em paz e essa caravana traz amor — gritei em voz bem alta,<br />
quase discursan<strong>do</strong>, na certeza de que por trás <strong>do</strong>s capins e muretas arruinadas havia um pequeno<br />
exército nos vigian<strong>do</strong>. — Não tenham me<strong>do</strong>. Venham to<strong>do</strong>s. Em nome de Jesus, eu assumo a<br />
responsabilidade — gritei fazen<strong>do</strong> sinal de avançar com a mão e inician<strong>do</strong> imediatamente a<br />
caminhada para cruzar a “fronteira”.<br />
— Ai, ai, ai — diziam as crianças esfregan<strong>do</strong> as mãos com excitação e me<strong>do</strong>. Era como se<br />
estivessem entran<strong>do</strong> em Marte ou num outro planeta.<br />
Então, os habitantes <strong>do</strong> Borel que conosco estavam ficaram bem juntinhos, fazen<strong>do</strong><br />
exatamente o que não deveria ser feito. Fui entran<strong>do</strong> à frente com Pedro.<br />
— O senhor tá ven<strong>do</strong> a moçada aí <strong>do</strong> la<strong>do</strong>, com as AR 15 e as máscaras na cara? —<br />
perguntou-me Pedro, num sussurro.<br />
— Tô sim. Vamos em frente — falei, ven<strong>do</strong> umas silhuetas humanas e as pontas das armas<br />
de porte viradas para o alto.<br />
Era meia-noite quan<strong>do</strong> cruzamos a fronteira. Chegamos, enfim, ao lugar onde as freiras<br />
católicas moravam. Cantamos hinos evangélicos e acordamos as irmãs. Elas saíram e nos<br />
abraçaram. Oramos juntos e celebramos algo que tínhamos em comum muito mais forte que<br />
nossas diferenças religiosas: nosso amor à paz e nosso desejo sagra<strong>do</strong> de pacificar o Rio.<br />
À uma da manhã estávamos no cruzeiro, sob a nova cruz que o Exército havia posto no mesmo<br />
lugar, em reparação ao erro anterior. Afinal, frei Olinto, sacer<strong>do</strong>te sério, lúci<strong>do</strong> e planta<strong>do</strong><br />
missionariamente há anos no chão <strong>do</strong> Borel, viera a público dizer que a igreja, e não o CV, é que<br />
havia finca<strong>do</strong> o símbolo cristão naquelas alturas. Aquela noite será inesquecível para to<strong>do</strong>s os que<br />
se sentaram no chão, em volta da cruz, e se deixaram aban<strong>do</strong>nar em canções e preces pela Cidade<br />
Maravilhosa. Lá de cima, o Rio é ainda mais lin<strong>do</strong>.