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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 18<br />

“No décimo sexto ano de minha vida, o ócio reinou sobre mim devi<strong>do</strong> à falta de<br />

recursos financeiros de minha família. Assim, eu fiquei de férias de to<strong>do</strong> e<br />

qualquer estu<strong>do</strong>. Viven<strong>do</strong> assim, vazio, os caminhos da luxúria me <strong>do</strong>minaram e<br />

se elevaram acima de minha cabeça.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Quan<strong>do</strong> iniciou o ano de 1972, eu havia vivi<strong>do</strong> dez anos em um. A sensação que eu tinha era<br />

de que eu fora joga<strong>do</strong> numa câmara de compressão de tempo na qual, no espaço de apenas 12<br />

meses, eu havia experimenta<strong>do</strong> emoções, desejos, angústias, prazeres e atitudes que a maioria<br />

<strong>do</strong>s adultos que eu conhecia não tinha jamais sonha<strong>do</strong> provar em toda a vida.<br />

Agora, iniciava-se uma nova fase de minha existência. Eu queria apenas experimentar coisas<br />

que somente quem não amava a vida poderia ter coragem de provar. Comecei a dizer a mim<br />

mesmo que morreria logo e que, portanto, precisava curtir a vida com toda a intensidade possível.<br />

Nessa época, resolvi que minha existência seria cada vez mais uma demonstração de escândalo.<br />

Queria chocar o mun<strong>do</strong> e não tinha a menor razão para o não fazer. Por isso, decidi que não<br />

namoraria mais, apenas me dedicaria às mais esfuziantes experiências de natureza sexual, de<br />

preferência com “mulheres feitas”.<br />

Embora meu convívio com Pinho e Celsinho estivesse diminuin<strong>do</strong>, nós ainda fazíamos<br />

programas juntos. Um dia, num <strong>do</strong>s intervalos raríssimos de loucura com Curió, meus <strong>do</strong>is<br />

amigos me convenceram a ir com eles assistir ao grupo Teatro Oficina, que estava em Manaus,<br />

apresentan<strong>do</strong> O rei da vela. Entrei no teatro Amazonas, luxuoso e apinha<strong>do</strong> de mulheres de<br />

longos e de homens alinha<strong>do</strong>s, vestin<strong>do</strong> uma camisa de quatro bandas de cores, calça de cetim<br />

roxa e um tamanco alto, com um corte no meio da sola, que fazia placo, placo, placo quan<strong>do</strong> eu<br />

andava.<br />

Sentamos na última fileira <strong>do</strong> último andar <strong>do</strong> teatro. O espetáculo era contesta<strong>do</strong>r e os atores<br />

eram os profetas daquela geração. To<strong>do</strong>s estavam atentos, concentra<strong>do</strong>s nos diálogos e<br />

absolutamente liga<strong>do</strong>s no roteiro da peça. De repente me veio um irresistível impulso de acabar<br />

com tu<strong>do</strong> aquilo. Não dava para controlar. Era um desejo compulsivo. Aí, então, gritei, com a voz<br />

mais alta e lancinante que eu podia, a primeira coisa que me veio à cabeça: “Ai, meu Deus! Um<br />

morcego enorme está chupan<strong>do</strong> meu sangue. Ai, ai, ai. Socorro!”<br />

Foi o grito mais idiota que eu pude desferir no ar silencioso <strong>do</strong> ambiente cultural mais<br />

sofistica<strong>do</strong> <strong>do</strong> norte <strong>do</strong> país. To<strong>do</strong>s caíram numa interminável gargalhada. Os atores esperaram<br />

para ver se a casa voltaria à ordem. Mas que nada. A algazarra continuou indefinidamente. Como

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