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Confissões do pastor - Caio Fábio

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frontal que protegia o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> barco, a poesia de Quintino Cunha (1875-1943):<br />

“Vê bem, Maria, aqui se cruzam: este<br />

é o Rio Negro, aquele é o Solimões.<br />

Vê bem como este contra aquele investe<br />

como as saudades com as recordações.<br />

Vê como se separam as águas<br />

que se querem reunir, mas visualmente;<br />

é um coração de quem quer reunir as mágoas<br />

de um passa<strong>do</strong> às aventuras de um presente.<br />

É um simulacro só, que as águas <strong>do</strong>nas<br />

desta terra não seguem curso adverso;<br />

To<strong>do</strong>s convergem para o Amazonas,<br />

o real rei <strong>do</strong>s rios <strong>do</strong> universo.<br />

Para o velho Amazonas, soberano,<br />

que no solo basilio tem o Paço;<br />

Para o Amazonas, que nasceu humano,<br />

porque, afinal, é filho de um abraço!<br />

Olha esta água, que é negra como tinta;<br />

posta na mão, é alva que dá gosto.<br />

Dá por visto o nanquim com que se pinta<br />

nos olhos a paisagem de um desgosto.<br />

Aquela outra parece amarelada muito,<br />

no entanto, é também limpa, engana.<br />

É direito a virtude quan<strong>do</strong> passa<br />

pela flexível porta da Choupana.<br />

Que profundeza, extraordinária, imensa,<br />

que profundeza, mas que desconforme!<br />

Este navio é uma estrela suspensa<br />

neste céu d’água brutalmente enorme.<br />

Se estes <strong>do</strong>is rios fôssemos, Maria,<br />

Todas as vezes que nos encontrássemos,<br />

Que Amazonas de amor não sairia<br />

de mim, de ti, de nós que nos amamos?<br />

As viagens prosseguiam, aprofundan<strong>do</strong>-se para dentro <strong>do</strong>s rios e para dentro da alma. Eram<br />

cheiros e encantos que nos seduziam à noite, quan<strong>do</strong> encostávamos na beira <strong>do</strong> rio e ouvíamos<br />

milhares de grilos e outros insetos com seus ruí<strong>do</strong>s fantásticos e seus o<strong>do</strong>res incríveis, quase de<br />

outra ordem de existência. Os aromas da floresta eram trazi<strong>do</strong>s pelo ar úmi<strong>do</strong> e denso que às<br />

vezes soprava <strong>do</strong> rio para a mata e, outras vezes, num estranho e breve retorno de vento, da mata<br />

para o rio.<br />

Os cheiros me excitavam de um mo<strong>do</strong> to<strong>do</strong> especial. Eu não podia <strong>do</strong>rmir quan<strong>do</strong> os o<strong>do</strong>res<br />

variavam muito. Eu os sentia to<strong>do</strong>s. Não raro esse show de variedade de fragrâncias fazia-se<br />

acompanhar por longas e ricas histórias sobre as lendas da região. Eram cobras grandes e<br />

mamíferos cabelu<strong>do</strong>s — a piraíba era o nome mais forte — capazes de engolir um homem, e<br />

espíritos da mata e suas visagens; enfim, era o paraíso para a imaginação.

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