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Confissões do pastor - Caio Fábio

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Capítulo 51<br />

“Não quero estar onde posso e não posso estar onde quero: miséria em ambos os<br />

casos!”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Nos últimos dias de 1994 eu fui a Bangu I visitar os mais estranhos amigos que eu já fizera<br />

na vida. No verão, aquele lugar é o inferno. É mosca para to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s e a vida humana se torna<br />

um acontecimento inconcebível naquele calor e com to<strong>do</strong>s aqueles insetos voan<strong>do</strong><br />

incansavelmente sobre você e se agarran<strong>do</strong> ao seu corpo, como se sentissem saudade e fome de<br />

sua pele. É insuportável. Comprei ventila<strong>do</strong>res, alguns presentes, Bíblias e livros, e fui visitar<br />

aqueles que eram considera<strong>do</strong>s os mais perigosos bandi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Rio.<br />

— O reveren<strong>do</strong> chegou — eles gritaram, como de costume.<br />

Eu, entretanto, sabia que, provavelmente, aquela era a última vez, em muito tempo, que<br />

aquele ritual seria realiza<strong>do</strong>.<br />

— <strong>Caio</strong>, até o dia 31 de dezembro a gente garante essa política de direitos humanos <strong>do</strong><br />

esta<strong>do</strong>. De primeiro de janeiro em diante, eu não posso dizer nada. O seu trabalho nos presídios<br />

pode sofrer mudanças daí em diante. Quer dizer, espero que eles não façam nada, mas não dá pra<br />

garantir — dissera-me Arthur Lavigne cinco dias antes <strong>do</strong> Natal.<br />

O clima na administração já estava diferente. Antes, eu chegava lá como o <strong>pastor</strong> <strong>do</strong><br />

governa<strong>do</strong>r. Agora, eu seria apenas o amigo <strong>do</strong> Nilo. Levei Alda, meu filho Davi e uma amiga<br />

conosco. Queria que os detentos vissem que eu valorizava tanto aquela experiência no meio deles,<br />

que até levava parte de minha família àquele estranho encontro de humanidade e nudez moral.<br />

— Davi, me dá um abraço. Eu sempre quis conhecer você — disse o educadíssimo Carlão,<br />

<strong>do</strong> alto de seu metro e noventa.<br />

— É, reveren<strong>do</strong>, o menino parece o Davi da Bíblia: ruivo e de boa aparência — disse Eucanã,<br />

por muitos considera<strong>do</strong> irrecuperável, demonstran<strong>do</strong> que estava len<strong>do</strong> a Bíblia toda, de cabo a<br />

rabo.<br />

Passamos a tarde toda com eles.<br />

— Dá pro senhor batizar uns meninos aqui? — perguntou-me um <strong>do</strong>s presos.<br />

Batizei seis deles, inclusive o jovem e famoso Polegar, líder <strong>do</strong> tráfico no morro da<br />

Mangueira, recentemente preso em Araruama, quan<strong>do</strong> se divertia num jet-ski.<br />

— Eu encontrei tua mãe quan<strong>do</strong> eu estava subin<strong>do</strong> a Mangueira outro dia. Ela está pedin<strong>do</strong> a<br />

Deus que você mude de vida — falei ao rapaz.<br />

Depois de alguma conversa, ele pediu para ser batiza<strong>do</strong> com os outros. Vacilei. Afinal ele não

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