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preocupa<strong>do</strong> e já achan<strong>do</strong> que nosso “time” tinha si<strong>do</strong> descoberto por João e Renato. Olhei outra<br />
vez para o relógio: nove horas e nada. “Se não chegar em cinco minutos, vou embora”, pensei<br />
inquieto e impaciente.<br />
— Bom dia. O senhor não pensou que fosse eu, pensou? — disse um rapaz branco, tamanho<br />
médio, cabelos lisos, castanho-escuros, um pouquinho acima <strong>do</strong> peso, vestin<strong>do</strong> jeans e camisa<br />
branca e aparentan<strong>do</strong> ter uns 35 anos.<br />
— Não. Nunca pensei que fosse você — disse apenas para fazê-lo pensar que eu realmente o<br />
havia reconheci<strong>do</strong>.<br />
— Desculpa a demora. Mas é que o Renato é desconfia<strong>do</strong> e queria se certificar de que tava<br />
tu<strong>do</strong> limpo — falou nervoso.<br />
Nesse momento, percebi que a pele de “João” estava completamente empolada, tão forte era<br />
o arrepio que percorria seu corpo. Então vi uma mancha nervosa, vermelha, brotar entre o<br />
pescoço e o queixo <strong>do</strong> rapaz. Deixei-o falar. Dois minutos depois, eu já tinha um perfil básico da<br />
peregrinação lingüística de João. Seu “s” era <strong>do</strong> Brasil Central, quase goiano. O “r” soava um<br />
pouco sulista. E, no geral, o sotaque era sem dúvida carioca.<br />
— Onde você morou no Brasil Central? — perguntei sem dar margem a nenhuma dúvida.<br />
— Em Campo Grande, lembra? Foi lá que eu vi o senhor pregar pela primeira vez.<br />
— Certo. Você tá falan<strong>do</strong> da primeira vez que eu fui pregar lá, há uns 12 anos?<br />
— É, naquele tempo eu morava lá. Eu fui no ginásio de esportes ouvir o senhor.<br />
— Mas você morou no sul também, não foi?<br />
— Como é que o senhor sabe?<br />
— É o seu “r”. Tem um quê de sulista nele.<br />
— Morei em Santa Catarina. Depois voltei pro Rio. Eu sou carioca.<br />
— Você estava na Fábrica no dia em que eu dei a primeira coletiva à imprensa lá, não estava?<br />
Cê tava encosta<strong>do</strong> na coluna, num tava? — perguntei outra vez de chofre, sem dar margem a<br />
outra resposta a não ser a confirmação.<br />
— É, eu tava sim. Também estava lá no dia da manifestação na frente da Fábrica. Até gravei<br />
em fita. Mas hoje eu tô aqui pra ajudar o senhor — disse.<br />
— Mas e aí, João? Como é que a gente vai fazer? — perguntei.<br />
— Olha, o Renato não quer proteção; o que ele quer é dinheiro. Ele não é crente como eu,<br />
por isso não tem interesse de ajudar de graça. Eu, sim. Aju<strong>do</strong> o senhor de graça — explicou com<br />
ar “sacer<strong>do</strong>tal”.<br />
Nesse momento vi uma cena hilária. O coronel Santos veio até onde João e eu estávamos. Ele<br />
carregava uma linda menina loira no colo e parou bem na minha frente, mostran<strong>do</strong> os aviões lá<br />
fora, na pista.<br />
— Olha o viãozinho. Tá ven<strong>do</strong>, neném? — dizia o coronel num fantástico acesso de<br />
babysitter militar. Fiz de tu<strong>do</strong> para não rir.<br />
— Você num quer chamar seu amigo pra vir tomar um cafezinho com a gente? — perguntei,<br />
jogan<strong>do</strong> um verde, e apontei para um rapaz moreninho, que andava agita<strong>do</strong> de um la<strong>do</strong> para o<br />
outro <strong>do</strong> pátio em frente ao local em que estávamos.<br />
— Não. Deixe ele lá. Se ele souber que o senhor sacou ele, vai ficar chatea<strong>do</strong>. Ele achou que<br />
o senhor num ia perceber.<br />
— Puxa, mas dan<strong>do</strong> a bandeira que ele deu, não tinha como não perceber — falei,<br />
começan<strong>do</strong> a me divertir. — Mas, João, vamos lá. O que eu tenho de fazer pra ter a fita? —<br />
reconduzi o assunto à “extorsão”.<br />
— O Renato quer 210 mil reais. Ele diz que é muito arrisca<strong>do</strong> e só vale se for por muito<br />
dinheiro. O senhor sabe, esses caras podem matar a gente.