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Confissões do pastor - Caio Fábio

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forte <strong>do</strong> que eu. Era como se não estivesse sen<strong>do</strong> reconheci<strong>do</strong> justamente na única área da vida<br />

que eu considerava de valor essencial para mim. Cheguei a ser grosseiro com aqueles que<br />

escolhiam o caminho da informalidade no trato para comigo.<br />

Num daqueles dias, Nalia, uma amiga de outros tempos e que agora estava na igreja conosco,<br />

veio apressada até a minha casa para nos dizer que Zé Curió, a quem eu não via desde 1975, após<br />

seu retorno da prisão na Ilha Grande, no Rio, estava balea<strong>do</strong> num <strong>do</strong>s hospitais da cidade,<br />

morren<strong>do</strong>.<br />

— É um quadro de infecção generalizada. Ele vai morrer. Só um milagre. Olha <strong>Caio</strong>, ele quer<br />

que você vá vê-lo — disse-me Nalia com a consciência profissional da boa médica que ela se<br />

tornara, mas ao mesmo tempo deixan<strong>do</strong> espaço para uma intervenção de Deus na situação.<br />

— Ei, Caião! Cê tá numa boa, bicho, e eu tô aqui, morren<strong>do</strong>. Cê fez a melhor escolha —<br />

disse Zé Curió assim que me viu entrar no quarto em companhia de meu pai. Ficamos ali com<br />

ele, ouvin<strong>do</strong>-o falar como a vida lhe estava sen<strong>do</strong> difícil, constatação tardia, porém esperançosa.<br />

— Os home tão queren<strong>do</strong> me pegar. O que me aconteceu foi isso. A polícia me pegou. Veio um<br />

cara, olhou pra mim e, sem mais nem menos — pô eu tava senta<strong>do</strong> no carro, bicho — despejou<br />

um monte de tiro na minha barriga. Tão queren<strong>do</strong> acabar comigo, cara — continuou Zé Curió. O<br />

corpo dele ardia em febre. — Tô cum me<strong>do</strong> de morrê, bicho. Faz uma oração por mim.<br />

Papai e eu impusemos as mãos sobre ele, pegamos óleo de um vidrinho que sempre tínhamos<br />

conosco e, conforme a instrução <strong>do</strong> Apóstolo Tiago, derramamos o líqui<strong>do</strong> sobre a sua cabeça, em<br />

nome de Cristo.<br />

— Zé, nós te ungimos com óleo para a cura de teu corpo, em nome de Jesus — dissemos.<br />

Em seguida, meu pai orou por ele, enquanto nossas mãos se mantinham sobre a cabeça de<br />

meu ex-melhor amigo. Agora eu tinha enorme piedade dele, mas nossas vidas não tinham mais<br />

nada em comum, a não ser as lembranças.<br />

— Pô, valeu mermo, Caião. Valeu, bicho — disse Zé, enquanto nos retirávamos.<br />

— Cê num vai acreditar — disse Nalia —, o Zé já saiu <strong>do</strong> hospital. A febre cedeu<br />

milagrosamente — completou.<br />

Ao saber <strong>do</strong> resulta<strong>do</strong> procurei o Curió para estimulá-lo a ir à igreja a fim de iniciar uma vida<br />

de fé.<br />

— Pô, cara, valeu. Mas pra mim esse negócio de crente num dá. Tua esperteza foi essa.<br />

Agora tu tá numa boa. Bem casa<strong>do</strong>, carro, casa, e gente que te respeita. Foi uma tremenda sacada.<br />

Mas pra mim a esperteza tem que ser outra. Obriga<strong>do</strong> por me convidar, mas esse negócio de ficar<br />

cantan<strong>do</strong> Foi na Cruz, foi na Cruz que um dia eu vi meu Jesus morren<strong>do</strong> por mim peca<strong>do</strong>r num é<br />

pra mim não, bicho. Obriga<strong>do</strong>, mas tô fora — disse Zé com uma ponta de gozação. Foi a última<br />

vez que me lembro de tê-lo visto.<br />

Fiquei muito triste com a reação dele ao toque <strong>do</strong> amor de Deus em sua vida. Mas respeito<br />

gente que não faz trocas com Deus. Ou ele viria por amor e gratidão, ou jamais viria apenas por<br />

me<strong>do</strong>. Aquilo era típico <strong>do</strong> Curió.

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