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Confissões do pastor - Caio Fábio

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noite, vinham as músicas e as histórias que ela nos contava.<br />

Mãe Velhinha nos marcou profundamente de mo<strong>do</strong> bom e mau. A parte boa inclui suas<br />

histórias, suas lendas amazônicas, sua capacidade de fazer a gente sentir cheiros, sua insistência<br />

em nos fazer gostar de animais, plantas e cores, especialmente as <strong>do</strong> amanhecer e as <strong>do</strong><br />

pôr-<strong>do</strong>-sol. A parte ruim tem a ver com sua insistência em nos tirar da cama no melhor <strong>do</strong> sono,<br />

às cinco da matina, para nos fazer ver o sol nascer.<br />

Além disso, havia também sua chatice de dividir o mun<strong>do</strong> entre católicos e protestantes,<br />

dizen<strong>do</strong> sempre que os primeiros estavam irremediavelmente perdi<strong>do</strong>s e os últimos<br />

inevitavelmente salvos. Cansava. Lembro-me de às vezes ouvi-la dizer coisas <strong>do</strong> tipo: “Que pena<br />

que <strong>do</strong>na Zezé é católica. Tão boa, mas tão perdida.” Ou ainda: “É, que pena. Teu pai não vai<br />

para o céu. Enquanto ele for católico, não vai mesmo.”<br />

A coisa que mais espanta meus pais é a minha memória infantil. De fato, tenho recordações<br />

de perío<strong>do</strong>s tão longínquos quanto os meus <strong>do</strong>is anos e meio de idade. Por exemplo, lembro-me,<br />

nitidamente, <strong>do</strong> primeiro castigo que recebi. Papai havia dito que eu não pegasse em algo, e eu o<br />

desobedeci sistematicamente. Ele, então, me colocou de castigo: eu não poderia sair da sala, <strong>do</strong><br />

quarto e da alcova, onde o chão era de cerâmica amarela. Para fora desses limites, o chão era de<br />

cerâmica vermelha. Por isto, a partir daquele momento, eu me sentia em liberdade nos chãos<br />

amarelos e não nos vermelhos.<br />

Recor<strong>do</strong>-me que, aos cinco anos, senti uma fortíssima vontade de pegar a filha de um vizinho<br />

e sentá-la em meu colo, sem nem saber direito por que razão aquela estranha sensação de<br />

excitamento percorren<strong>do</strong> meu corpo. Fiquei ali, na frente da casa deles, senta<strong>do</strong>, com a menina<br />

no meu colo, até que fomos flagra<strong>do</strong>s. De repente, a mãe dela chegou, nos pegou, gritou, e me<br />

chamou de tara<strong>do</strong>. Afinal, a garotinha tinha a minha idade, mas a iniciativa tinha si<strong>do</strong> minha.<br />

Daí em diante, a coisa correu solta. To<strong>do</strong>s os dias, depois que chegávamos da escola,<br />

enquanto o pessoal da vizinhança fazia a sesta, vivíamos aqueles inocentes momentos de<br />

promiscuidade infantil, atrás das árvores, embaixo <strong>do</strong>s galinheiros, escondi<strong>do</strong>s no porão da casa<br />

de vovó, ou em qualquer brecha em que coubessem duas crianças brincan<strong>do</strong> de papai e mamãe<br />

ou de médico.<br />

Aquelas “brincadeiras” tomaram proporções enormes em minha mente. Aos sete anos,<br />

passava grande parte <strong>do</strong> tempo pensan<strong>do</strong> no que poderia fazer para aproveitar novas<br />

oportunidades naquela área. Nossos pais, bem como toda a vizinhança, pareciam absolutamente<br />

inconscientes quanto ao que acontecia a alguns de nós. E mesmo a maioria <strong>do</strong>s “filhos <strong>do</strong><br />

quintal” parecia estar alheia aos jogos de sexo infantil que ali aconteciam.<br />

E como eu me sentia irremediavelmente masculino, não podia nem me imaginar em<br />

qualquer papel, naquelas diversões precoces, em que não estivesse na condição de extremamente<br />

ativo e possui<strong>do</strong>r.<br />

Mas o quintal e as memórais <strong>do</strong>s primeiros anos não eram feitos só disso. Para a maioria das<br />

crianças ali, aquele era de fato um mun<strong>do</strong> inocente e mágico. E não faltavam os ingredientes<br />

necessários ao estímulo da fantasia naquele pedaço de chão.<br />

Doutor Américo era a figura mais exótica que nós to<strong>do</strong>s conhecíamos naquele espaço mítico.<br />

Era alto, magro, costelas expostas a ponto de poderem ser contadas a distância, cabelos negros e<br />

longos, caí<strong>do</strong>s sobre os ombros. O rosto era compri<strong>do</strong> e os olhos faiscantemente enlouqueci<strong>do</strong>s.<br />

O homem era poeta. Declamava versos de sua própria autoria e não parava de andar nu, exibin<strong>do</strong><br />

naturalmente seu longo pênis, à semelhança <strong>do</strong>s grandes cavalos que pastavam no campinho em<br />

frente ao casarão de vovó Zezé, que também tinham seus membros sexuais pendura<strong>do</strong>s à vista de<br />

to<strong>do</strong>s.<br />

Doutor Américo era o humano mais selvagem que nós to<strong>do</strong>s conhecíamos. Ele era o ponto de

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