23.04.2013 Views

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

Confissões do pastor - Caio Fábio

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Capítulo 20<br />

“Não havia disciplina para me conter, o que me levou à dissolução sem rédeas, em<br />

muitas e diferentes direções. Em tu<strong>do</strong> havia uma densa névoa me cegan<strong>do</strong> os<br />

olhos, assim eu não conseguia ver o brilho deTua face, meu Deus, e minha<br />

iniqüidade era como se fosse ‘saída de minha própria gordura’.”<br />

Santo Agostinho, <strong>Confissões</strong><br />

Novembro corria pelo meio e, portanto, 1972 estava chegan<strong>do</strong> ao fim. Com o clima de<br />

hostilidade que se criara na cidade, Zé e eu evitávamos os lugares badala<strong>do</strong>s demais.<br />

Um dia eu estava com ele na casa de uma de suas mulheres quan<strong>do</strong> entrou um homem pela<br />

sala, com uma pistola na mão. Ele parecia que tinha muita moral sobre o Curió. Não disse nada,<br />

mas os <strong>do</strong>is obviamente se conheciam muito bem.<br />

— Desliga essa porcaria — gritou apontan<strong>do</strong> para o som liga<strong>do</strong> altíssimo num canto da casa.<br />

— Zé, tu num toma jeito. Os home tão pon<strong>do</strong> pressão in mim pra ti pegá. Vê se toma juízo. Tu dá<br />

bandêra demais, cara. Agora vive in coluna social. Tá brigan<strong>do</strong> cun gente grande e vai dançá. Os<br />

cara ti matun, bicho. Num dá essa moleza, não — disse com professoral vulgaridade.<br />

Zé estava ali, para<strong>do</strong>, cala<strong>do</strong>, ouvin<strong>do</strong> como se o homem da pistola fosse um padre, um <strong>pastor</strong>,<br />

um sacer<strong>do</strong>te de Deus. Eu é que não entendi nada <strong>do</strong> que estava acontecen<strong>do</strong>. Quis perguntar<br />

quem era o cidadão, mas ele não deixou. Antecipan<strong>do</strong>-se, olhou para mim, depois para o Zé.<br />

— Quem piorô a tua vida foi esse mau-elemento. Tem cara de bom garoto, mas ti botou<br />

nessa fria. Larga esse cara. Ele vai dançar — ele disse e saiu <strong>do</strong> jeito que entrou.<br />

Curió ouviu aquilo, esperou o homem se afastar, e caiu no chão dan<strong>do</strong> gargalhada.<br />

— Ai, ai, eu num agüento. Cê viu, seu Caião? Os cara acham que eu sou o bom garoto e que<br />

tu é o mau-elemento. Eu nasci de bumbum pra lua, bicho.<br />

— Quem é esse cara, Zé? Comé que ele entra aqui e diz esses negócios? Quem são os<br />

“home” que querem ti fechar? — perguntei, nervoso e amedronta<strong>do</strong>.<br />

— Ele é da Federal e é quem me garante lá. O cara é gente boa. Eu lavo a mão dele de vez em<br />

quan<strong>do</strong>, aí ele fica calmo. O problema é que o cara ti cunhece, bicho. Melô. É melhor tu caí fora<br />

da cidade. Também cum esse cabelão, essa cara de <strong>do</strong>i<strong>do</strong> e essas roupa extravagante, o que qui tu<br />

queria? — e caiu na gargalhada mais uma vez. Eu fiquei preocupa<strong>do</strong>.<br />

Naquela noite fomos à boate <strong>do</strong>s Ingleses. Chegamos devagar e ficamos quietos. To<strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> estava lá. O clima estava horrível, pesa<strong>do</strong>. Eu podia sentir hostilidade no olhar de quase<br />

to<strong>do</strong>s. Vi uma garotinha atraente num canto, fui em cima e comecei a dançar com ela. Ficou bom<br />

pra mim e convidei-a a ir lá fora.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!