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Confissões do pastor - Caio Fábio

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estrada, pensei: “É, vai sujar. Eu não tenho carteira.”<br />

Manobrei e voltei. Mas eles me viram e saíram no meu encalço. Eu estava dirigin<strong>do</strong> um TC<br />

novinho em folha e o carro da polícia era um camburão bom de corrida. Saí alucina<strong>do</strong>. Foram dez<br />

minutos de “pega” infernal. A impressão que eu tinha era de que a cada curva o carro iria capotar.<br />

Os “homens”, no entanto, não se perdiam nunca. Estavam lá, no meu pé. “Tô perdi<strong>do</strong>. Se esses<br />

caras me pegarem, vão me matar”, pensei.<br />

Consegui alcançar a rua Sete de Dezembro, onde morava. Cheguei cerca de trinta segun<strong>do</strong>s<br />

antes deles, tempo suficiente para parar o carro e entrar corren<strong>do</strong> em minha cama.<br />

Ouvi os gritos lá fora.<br />

— É aqui. O carro está quente ainda. O filha da... deve ter entra<strong>do</strong> aqui. Vai devagar. Cerca a<br />

casa. Cuida<strong>do</strong>. Ele pode estar arma<strong>do</strong> — eram as vozes que vinham da rua.<br />

Papai e mamãe, coita<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>rmiam sem saber que a casa estava cercada. Eu imagino que os<br />

policiais ouviram o ressonar forte de mamãe e perceberam que ali havia uma família <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>.<br />

Bateram palmas. Mamãe acor<strong>do</strong>u. Os policiais perguntaram se aquele carro era da casa.<br />

— Não senhor. Nosso carro é aquela Hondinha ali na frente — respondeu mamãe com a<br />

inocência de uma santa.<br />

— Então de quem é esse TC para<strong>do</strong> aqui na frente de sua casa? — indagou um policial.<br />

— Não sei. Daqui de casa é que não é — respondeu mamãe.<br />

— A senhora tem um filho cabeludão? — um deles perguntou.<br />

— Sim. Mas acho que ainda não chegou — disse ela.<br />

— A senhora podia ir dar uma olhada pra nós? Ver se ele ainda não chegou? — insistiram.<br />

Quan<strong>do</strong> eu ouvi a história, decidi aparecer e poupar mamãe de passar por aquela vergonha.<br />

— Tá ali o cabelu<strong>do</strong> — falou um solda<strong>do</strong> mais exalta<strong>do</strong> assim que me viu.<br />

— <strong>Caio</strong>zinho! É você? — indagou o comandante da operação.<br />

— João da Mangueira? — perguntei fazen<strong>do</strong> força para vê-lo na escuridão, mas<br />

reconhecen<strong>do</strong>-lhe a voz.<br />

— Sim, sou eu, <strong>Caio</strong>zinho.<br />

— Seu cara! Que loucura é essa? A gente podia ter mata<strong>do</strong> você. Se você não tivesse para<strong>do</strong><br />

aqui, nós já íamos abrir fogo. A gente primeiro ia matar, depois ver quem era. A situação tá<br />

perigosa. Você escapou por pouco — disse João da Mangueira, vários anos mais velho <strong>do</strong> que eu,<br />

mas meu amigo de pelada na rua Apurinã, aos sába<strong>do</strong>s.<br />

Por pura coincidência o nome dele tinha uma mangueira no meio. As mangueiras sempre me<br />

perseguiram para o bem.<br />

— Olha, pessoal. Esse aqui eu conheço. É gente boa. E não vai nunca mais fazer isso, num é,<br />

<strong>Caio</strong>zinho? — perguntou.<br />

— Claro, João. Nunca mais. Eu prometo — falei alivia<strong>do</strong>.<br />

Mamãe ficou ali parada, sem entender nada. No dia seguinte, vi que o carro de Bete Raposo<br />

estava to<strong>do</strong> estoura<strong>do</strong>, com empenos estruturais terríveis, mas fiz de conta que não vi nada e<br />

devolvi o carro a ela. Bete quis dirigir para casa, mas o pobre TC tremia e sambava para to<strong>do</strong>s os<br />

la<strong>do</strong>s.<br />

— Que foi isso, <strong>Caio</strong>? — perguntou Bete.<br />

— Num sei não. Hoje de manhã não tinha nada. Você tem que dirigir com mais cuida<strong>do</strong>. Cê<br />

corre muito, Bete — falei com cinismo, enquanto me preparava para deixar a vida seguir seu<br />

curso e Bete consertar o carro.<br />

Num daqueles dias, no entanto, eu vim a conhecer uma pessoa que seria muito importante na<br />

aceleração de meu processo de degradação social e no aprofundamento de minha desgraça<br />

interior. Eu sempre via pelas ruas da cidade um cara de uns 25 anos, que pilotava uma Honda 450

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