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Confissões do pastor - Caio Fábio

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“Fica firme, poderoso Caião”, referin<strong>do</strong>-me a papai, que, meigo que era, não podia conceber que<br />

uma despedida daquela acontecesse sem um beijo e um abraço. Ele me olhou com lágrimas nos<br />

olhos, an<strong>do</strong>u calmamente no compasso de sua muleta mágica, e pediu autorização para me dar<br />

um beijo. Sem graça, eu tive que deixar.<br />

Zé Curió estava ali e eu fiquei com me<strong>do</strong> da gozação que ele pudesse fazer depois. Mas<br />

quan<strong>do</strong> entramos no carro, o Zé me disse: “Bicho, teu pai é o maior barato. Com um pai desse eu<br />

não seria como você de jeito nenhum, nem em cem anos. Tu é muito ruim, bicho.”<br />

Fiquei ali, senta<strong>do</strong> no jipinho, perplexo com o que estava ouvin<strong>do</strong>. As pedras estavam<br />

claman<strong>do</strong> e eu era o último a discernir a sua voz. Mas não havia tempo para sentimentalismos.<br />

Em Manaus não dava mais para ficar, e eu iria para o Rio fazer o que a vida pedia de mim.<br />

Cheguei à Cidade Maravilhosa de madrugada. Como não havia ninguém me esperan<strong>do</strong>,<br />

preferi pegar um táxi e ir direto para Niterói. Gritei na porta da casa <strong>do</strong> reveren<strong>do</strong> Antônio Elias.<br />

Eles acordaram sem saber o que era, reconheceram-me com alguma dificuldade debaixo daquele<br />

cabelo enorme, chamaram-me de filho, deram-me um lanche e fizeram-me <strong>do</strong>rmir numa<br />

sleeping-bag que tinham em casa.<br />

Não <strong>do</strong>rmi a noite inteira, lutan<strong>do</strong> contra os mosquitos, que naquele tempo inundavam como<br />

enxames o bairro de São Francisco. Somente lá pelas cinco da manhã eu consegui a<strong>do</strong>rmecer.<br />

Passei alguns dias com eles, mas meu coração estava nas fantasias que me aguardavam em<br />

Copacabana, no próximo fim de semana.<br />

Quan<strong>do</strong> o sába<strong>do</strong> chegou, atravessei a baía de Guanabara e às quatro horas da tarde encontrei<br />

Ricardinho na porta da casa deles, na rua Aires Saldanha. Depois de um longo abraço, ele me<br />

levou direto para a esquina da rua Bolívar com a avenida Atlântica. O cheiro de maresia<br />

inun<strong>do</strong>u-me a alma, respirei fun<strong>do</strong> e disse: “É aqui que meu coração vai sentir todas as emoções<br />

dessa vida.” Neto chegou e me apresentou às figuras mais interessantes que eu já havia<br />

conheci<strong>do</strong> até então. Onde íamos passan<strong>do</strong> as pessoas falavam com o “meu guru” com<br />

reverência. Era como se um general andasse pelas ruas, passan<strong>do</strong> as tropas em revista.<br />

De repente, ouvi um zunzunzum.<br />

— Oba, o pau vai cantar, bicho. O Reison vai lá dentro da Senzala — disse Ricardinho.<br />

Eu não sabia o que era, mas me candidatei a ir junto. Lotamos vários ônibus na rua Barata<br />

Ribeiro e chegamos a um lugar próximo ao Canecão. Corremos pelas ruas e invadimos um lugar<br />

onde havia um monte de capoeiristas jogan<strong>do</strong> capoeira.<br />

Reison era considera<strong>do</strong> um deus. Sen<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s gênios <strong>do</strong> jiu-jítsu <strong>do</strong>s Gracie, luta que seus<br />

pais haviam desenvolvi<strong>do</strong> e aperfeiçoa<strong>do</strong>, ele era invencível no tatame e esmaga<strong>do</strong>r na briga de<br />

rua.<br />

Diziam que havia mais de vinte processos legais contra ele apenas nos últimos <strong>do</strong>is anos.<br />

Eram braços quebra<strong>do</strong>s, pernas fraturadas, narizes arrebenta<strong>do</strong>s, clavículas despedaçadas —<br />

enfim, era a máquina de quebrar ossos Reison, funcionan<strong>do</strong> contra garotões de praia que o<br />

haviam provoca<strong>do</strong> inadvertidamente, porteiros de edifícios que tinham feito pouco de seu<br />

loiríssimo cabelo longo e cachea<strong>do</strong>, ou jovens empresários, bonitos e atléticos, que, não ten<strong>do</strong><br />

gosta<strong>do</strong> de um beijinho ou de uma piscada que o loiro louco dera para suas mulheres, haviam<br />

resolvi<strong>do</strong> enfrentá-lo, sem saber que aquele pequeno homem era letal.<br />

Mas “o pau não cantou” na Senzala. O capoeirista-mor <strong>do</strong> lugar aproximou-se de Reison com<br />

humildade e pediu que ele entrasse na roda para “jogar” capoeira com eles, amistosamente.<br />

Ricardinho, sentan<strong>do</strong> ao meu la<strong>do</strong>, disse que Reison costumava dizer que capoeira não era luta,<br />

era dança, e como ele não dançava bem, não gostava de capoeira.<br />

A moçada delirou quan<strong>do</strong> ele entrou na roda e, desajeitadamente, tentou jogar com os<br />

baianos De Mola, Mestre Angola e outros. Duas horas depois a festa acabou entre beijos e

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