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Confissões do pastor - Caio Fábio

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lugar de nossa solidão e de nossa perdição.<br />

Depois de alguns meses, veio a ordem de papai para que fôssemos encontrá-los no Rio de<br />

Janeiro. A despedida <strong>do</strong>s amigos, <strong>do</strong>s primos, <strong>do</strong>s tios e <strong>do</strong>s espaços sagra<strong>do</strong>s e profanos de<br />

minha infância foi uma das experiências mais fortes em minha memória emocional infantil.<br />

Mãe Velhinha, Luiz e eu entramos num avião da Panair <strong>do</strong> Brasil em dezembro de 1964 e<br />

fomos para o Rio. O vôo não terminava mais. Eram oito horas de viagem. Quan<strong>do</strong> estávamos<br />

quase pousan<strong>do</strong> no aeroporto Santos Dumont, Luiz virou para mim, páli<strong>do</strong>, tentan<strong>do</strong> dizer algo<br />

que não conseguiu. Só vi aquela quantidade enorme de vômito sen<strong>do</strong> despejada em cima de mim.<br />

Foi horrível. Eu estava deprimi<strong>do</strong> e to<strong>do</strong> vomita<strong>do</strong>. Descemos por último, leva<strong>do</strong>s por uma<br />

aeromoça que nos ajudara. Pelas janelas re<strong>do</strong>ndas de dentro <strong>do</strong> avião tentei ver papai lá fora, mas<br />

não foi possível.<br />

Quan<strong>do</strong> pisei no chão <strong>do</strong> Rio, fui toma<strong>do</strong> por uma avalanche de cheiros que eu não sabia que<br />

existiam. O aroma de maresia da baía de Guanabara, ainda não tão poluída, entrou-me pelas<br />

narinas, dizen<strong>do</strong>-me que aquele lugar era absolutamente estranho. Além disso, fiquei<br />

impressiona<strong>do</strong> com a altura <strong>do</strong>s cariocas, bem mais altos que a média <strong>do</strong>s amazonenses.<br />

Concentrei-me na busca de papai no saguão <strong>do</strong> aeroporto. Ficamos ali, olhan<strong>do</strong> para um la<strong>do</strong><br />

e outro, e nada dele. “Será que não viria? E se tivesse morri<strong>do</strong>?” — eram questões que me<br />

passavam pela cabeça. De súbito, olhei para o la<strong>do</strong> e vi um estranho que se aproximava de nós,<br />

gargalhan<strong>do</strong> alto.<br />

— Então, seu cabrinha dana<strong>do</strong>, você é o famoso <strong>Caio</strong>zinho, e você é o Luiz? — perguntou,<br />

enquanto nos beijava, abraçava e sacudia, num mo<strong>do</strong> agressivo de expressar carinho, embora<br />

fosse carinho de fato.<br />

Era o tio Ari, casa<strong>do</strong> com Isa, uma irmã de meu pai que eu jamais conhecera.<br />

— E meu pai? — indaguei <strong>do</strong> recém-apresenta<strong>do</strong> titio. Ele fez que não entendeu bem e disse<br />

que tínhamos de ir para a casa dele. Então eu fui mais enfático.<br />

— Eu quero ver meu pai e saber como vai a minha mãe. E Suely?<br />

Foi quan<strong>do</strong> ele disse que Suely estava na mesa de operação e que por isto papai não viera nos<br />

buscar.<br />

O que ele não disse foi que minha mãe estava muito mal e que havia o temor de que ela<br />

pudesse sangrar até morrer. Em vez de nos levar para algum lugar no Rio, ele nos conduziu à<br />

praça Quinze, onde pegamos uma barca para Niterói.<br />

Aquela primeira travessia de barca teve um efeito positivo sobre mim, acostuma<strong>do</strong> que estava<br />

a ver muita água e sempre extasia<strong>do</strong> com o poder das fragrâncias. Fomos para a parte superior da<br />

embarcação e ficamos ali, olhan<strong>do</strong> aquela topografia linda, com montanhas que saíam de dentro<br />

<strong>do</strong> mar, e aquelas águas de cor azul onde golfinhos brincavam, dançan<strong>do</strong> que nem botos e<br />

pulan<strong>do</strong> adiante <strong>do</strong>s barcos.<br />

Em Niterói, fomos muito bem-recebi<strong>do</strong>s por tia Isa e pelos novos primos, Maria <strong>do</strong> Perpétuo<br />

Socorro — que foi logo dizen<strong>do</strong> que era minha madrinha —, Antônio Fernan<strong>do</strong>, Terezinha e<br />

Arlin<strong>do</strong>. Como eles tinham se muda<strong>do</strong> havia apenas um ano para a cidade, vin<strong>do</strong>s de São Paulo,<br />

eram vistos na vizinhança da rua Justina Bulhões, no Ingá, não como amazonenses que eram, mas<br />

como paulistões.<br />

Ficamos uma semana com eles até que papai pôde vir nos buscar. O reencontro com papai foi<br />

feliz e <strong>do</strong>lori<strong>do</strong>. A felicidade era pelo reencontro. A <strong>do</strong>r era <strong>do</strong> me<strong>do</strong> de que não sobrevivêssemos,<br />

como família, naquele lugar estranho e longe das florestas e rios de nossa terra.<br />

Fomos para Copacabana e entramos, perplexos, naquele bairro-cidade, de prédios imensos e<br />

o<strong>do</strong>res estranhos para mim. Na rua Anita Garibaldi, fomos apresenta<strong>do</strong>s a novos tios e primos. Já<br />

começava a virar ritual.

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